Crítica: Everything Goes Wrong - Tudo vai Mal (1960)
Cinema Mundial

Crítica: Everything Goes Wrong – Tudo vai Mal (1960)

A cena final de “Subete ga kurutteru” – Everything Goes Wrong (1960) sintetiza a obra da forma mais sincera e impactante possível: um casal jovem foge em um carro, a menina pergunta desesperada qual será o caminho a seguir, enquanto o protagonista, Jiro (Tamio Kawaji) olha para frente, perdido, e chama pela mãe antes de bater o carro. A sequência filosoficamente silenciosa, áspera e minuciosa simboliza a experiência vertiginosa de se assistir e sentir a acidez do antológico diretor Seijun Suzuki – falecido no começo de 2017, aos noventa e três anos. Esse é um dos seus primeiros trabalhos, mesmo que não seja o ápice do domínio técnico, principalmente referente ao ritmo, ainda é especial por utilizar a ânsia e conflito psicológico dos jovens como forma de criação artística. Explico: os elementos de composição fílmica estão constantemente em sintonia com as atitudes dos jovens personagens, o jazz animado que envolve uma cena relativamente tensa, as transições musicais, os enquadramentos nas personagens femininas que dão a sensação de enclausuramento e os closes-ups sempre oportunos na captação de pequenas nuances expressivas, quase sempre voltadas para a condição de inércia diante os dilemas triviais da existência.

O realismo é a ferramenta central para a perseguição clínica da situação e evolução dos jovens em um Japão pós-Segunda Guerra Mundial, as ruas consomem vidas que demonstram em pequenas atitudes que cada passo é um sofrimento emocional e que o mesmo movimento parte de uma busca vã. Um círculo vicioso onde o sofrimento é uma entidade invisível que alimenta a perdição espacial, exigindo que as personagens transpareçam sua versão mais pacóvia. A linha que divide os meninos das meninas é tênue, ao passo que entre meninos e adultos existe um abismo de incomunicabilidade e incompreensão. O jovem não assimila a responsabilidade e o adulto não compreende o que é existir sem propósito.

“É triste não termos tido a chance de viver como os jovens de hoje”.

A personagem Etsuko (Shinako Nakagawa), uma menina grávida do colega de quarto e que está desesperada para arrumar dinheiro para o aborto, parece que é a única com uma catástrofe emocional explícita. Sua dor canaliza o sofrimento de todo um país, que pelo contexto histórico temia a situação das gerações futuras. Há ainda a inversão, pois Jiro Sugita além de ter perdido o pai na Segunda Guerra ainda convive com o fato de ter que aceitar a sua mãe em relacionamento com outros homens. Os papeis femininos começam a ser transgredidos a partir do momento que a mãe se transforma em mulher; a mesma mãe lida com o passado ausente e que, ainda por cima, remete justamente à situação que modificou seriamente a economia e sociedade japonesa. “Everything Goes Wrong” (1960) é uma obra sobre consequências. Jovens frutos de arrependimentos e dores sociais, que após crescerem precisam dialogar com o fato de que são adultos e sinônimos de esperança e evolução, ainda que não saibam por onde começar. Seijun Suzuki demonstra um talento primoroso na direção, pois trabalha alguns personagens profundos e desenvolve uma trama complexa, repleta de camadas, em apenas setenta e um minutos. O estilo realista, comum no movimento Nūberu bāgu, sustenta inteligentemente toda a ousadia narrativa, onde são abordados temas como desprendimento feminino, aborto e vandalismo.

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