46ª Mostra de São Paulo começa com Cinemateca e sem Lei Rouanet
No dia 8 de outubro, ocorreu na Cinemateca Brasileira a coletiva de imprensa da 46ª Mostra de São Paulo – festival que ocorre de 20 de outubro a 2 de novembro. Nos últimos anos, evento para a imprensa havia sido realizado em outro espaço (em 2020 e 2021, foi apenas online). No entanto, após a reabertura da Cinemateca (fundamental para a manutenção da memória audiovisual brasileira), sua valorização se faz necessária e, mais que isso, emociona.
Pouco mais de dois anos após o fechamento da Cinemateca após uma série de ataques da Secretaria da Cultura do governo federal, e um ano após o incêndio em um galpão que pertence à instituição, é sempre bom ver um espaço como esse retornando à vida.
No palco da sala, apenas mulheres estavam no topo. Além de Renata de Almeida, diretora da Mostra de São Paulo, estavam Rosana Cunha, do SESC; Roberta Corvo, do Projeto Paradiso; e Liara Oliveira, da SPCine.
Sem a “Lei Rouanet”
Onde estão as empresas que antes patrocinavam a Mostra de São Paulo? Elas se foram junto com a Lei Rouanet. Na coletiva, Renata de Almeida contou que as demandas passaram a ser tantas, que a inscrição na lei de incentivo à cultura se tornou inviável. “São coisas difíceis, não dá pra bater na porta da casa de alguém, algemar e fazê-la assistir a um filme”, explicou, dando o exemplo de exigências muito específicas e que demandariam uma garantia por parte do festival, algo complicado de fazer – e que me faz suspeitar que os responsáveis pelas normativas recentes não sejam pessoas que trabalham com cultura (mas isso sou eu confabulando, apenas).
Renata de Almeida foi parabenizada por Roberta Corvo pela realização da Mostra mesmo sem o apoio estatal. Logo em seguida, a diretora da Mostra contou que foi realizado um grupo de patronos para o evento. “Partiu do próprio setor do audiovisual brasileiro a iniciativa do programa de patronos da Mostra”. Ela conta que todo ano se pergunta se a Mostra de São Paulo tem sentido de continuar, depois de 30 anos como realizadora do festival. “Porque as coisas acabam, né”, explica. “Essa resposta do próprio setor audiovisual deu um conforto para a Mostra, e um sentido de que dá pra existir por mais um tempo”, completou.
Se não tem o Estado, tem a filantropia
Na fala mais política da apresentação da 46ª Mostra de São Paulo, Renata Corvo disse que a continuidade da Mostra demonstra “que a gente consegue viver apesar do Estado”. E continuou: “a gente precisa cada vez mais depender menos desse Estado, para não estar no lugar que a gente está hoje, de absoluto desespero. Uma hora a gente vai sair disso, e pouco importa quem vai estar lá em cima. A gente vai, como sociedade civil, se reinventar”, completou a representante do Projeto Paradiso, que é uma instituição filantrópica.
Apesar de cuidadoso, o discurso poderia ser confundido com uma visão perigosa de negação do Estado. É compreensível que a resistência à negação da cultura seja necessária com todos os meios possíveis, incluindo a filantropia. No entanto, a ideia de depender menos do Estado pode ser uma cilada, já que é ele quem pode (deve) garantir que a sociedade dependa menos da boa vontade dos filantropos e das demandas incompatíveis do mercado.
No fim das contas, o que importa é que, mais uma vez, a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo vai ocorrer, não apenas em um ano decisivo para o Brasil – conforme dito pela própria Renata de Almeida – mas em um dia decisivo. Afinal de contas, o festival atravessará o segundo turno das eleições presidenciais. Quando a Mostra terminar, nós já vamos saber quem governará o país (e o estado de São Paulo) nos próximos quatro anos.