Como Heartstopper utiliza as cores para representar os protagonistas
Heartstopper é a série queridinha do momento. Baseada nas graphic novels homônimas da escritora Alice Oseman, a produção chamou a atenção de um grande público pela leveza e honestidade que os personagens transmitem, além de ter uma história que lida de maneira muito natural com os personagens LGBTQIA+.
Com oito episódios de menos de 30 minutos, a primeira temporada da série foi lançada pela Netflix no dia 22 de abril e em pouco tempo se tornou uma das mais assistidas no serviço de streaming. Com episódios dirigidos por Euros Lyn (que tem episódios de Doctor Who, Demolidor e His Dark Materials no currículo), a série conta a história da relação de amizade e romance entre Charlie e Nick. Os jovens britânicos estão no Ensino Médio e vivem momentos diferentes em suas vidas, cada um com seu grupo de amigos.
Não é preciso refletir muito para chegar à conclusão de que a leveza da série foi a principal responsável por seu sucesso (a presença de Olivia Colman como personagem secundária é apenas uma surpresa agradável). Além de mostrar uma história sobre personagens LGBTQIA+ que não carrega o peso dos debates da sociedade (embora não se abstenha deles), a série Heartstopper demonstra o tempo todo um ambiente alegre e inspirador – com um lirismo que quase remete a um sonho. Nos tempos pesados em que vivemos, é o que muitos de nós buscamos.
Se as intervenções em desenhos se mostram como soluções criativas para representar os sentimentos das personagens, a fotografia clara e quase estourada, bem como a trilha sonora, são fundamentais para solidificar o clima jovial e exultante dos episódios.
No entanto, o que mais me chamou a atenção foi o design de produção e a escolha das cores que estão sempre presentes na série. Provavelmente inspiradas nas HQs originais (que eu não li), as cores azul e amarelo são onipresentes na maioria das cenas, e podem ser interpretadas como representantes dos protagonistas – e da dualidade que eles representam.
É inovador ou revolucionário? Não!
O primeiro ponto a se considerar aqui é que o uso de cores para representar personagens (ou os sentimentos deles) não é nada novo. Essa estratégia é utilizada na linguagem cinematográfica e audiovisual praticamente desde que os filmes deixaram de ser em preto e branco.
Também é importante pontuar que este artigo mostra uma interpretação possível das cores utilizadas na série, ou seja, é possível fazer outras análises. Eu não busquei saber se a criadora da série (e autora dos livros) ou o diretor dos episódios falaram a respeito dessas escolhas.
O Azul e o Amarelo em Heartstopper
As cores azul e amarela representam uma dualidade interessante. Enquanto a primeira representa segurança, compreensão e lealdade, a segunda simboliza otimismo, alegria e criatividade. É claro que esses significados de cores nem sempre precisam ser levados à risca, já que o contexto de um filme ou série tem muito mais importância.
No entanto, o mais interessante de verificar é como a série utiliza a cor azul para representar o personagem Nick Nelson, e a cor amarela para representar Charlie Spring. As cores estão em diversos locais da escola e dos ambientes frequentados pelos protagonistas. Assim, a narrativa acaba criando um ambiente envolto pelas cores de tal forma que é como se o mundo conspirasse para o encontro dos dois.
Mas é interessante notar como a série não toma as mesmas atitudes com os dois personagens. Em muitos filmes, é comum vermos determinadas cores sempre presentes nas roupas e acessórios das pessoas retratadas, mas aqui isso ocorre apenas com Nick (embora nem sempre). Repare que Nick está sempre vestindo roupas de cor azul, ou então envolto por paredes e ambientes azuis.
No entanto, seria muito exagerado se Charlie estivesse sempre vestindo roupas amarelas. Pelo contrário: em alguns momentos, até mesmo o azul é visto nas roupas do rapaz, já que a cor é utilizada pela escola nas paredes, nos ambientes em geral e, obviamente, no uniforme.
A cor amarela é vinculada ao Charlie de diferentes maneiras: por meio de algumas cenas em que ele se confunde com paredes amarelas; através de detalhes de suas roupas (que às vezes tendem para o tom de marrom ou bege), e especialmente por meio da luz do sol ou do letreiro em seu quarto. Vale destacar, também, que a cor amarela é predominante na sala de artes, onde o garoto encontra refúgio ao lado do professor.
A toalha da praia e o guarda-chuva
É a partir do uso dessas cores – e dessa dualidade que elas representam em relação aos personagens – que a série brinca com o desenvolvimento da relação deles. Em diversos momentos, vemos Charlie ser “invadido” pelo azul das paredes e até mesmo das roupas, e ao final da temporada é Nick quem passa a se vestir com cores amarelas (embora sua mãe já tenha aparecido com essa cor, mostrando que ele já tinha esse sentimento de otimismo e criatividade em sua criação).
Na cena final da temporada, quando os dois estão na praia, cada um deles está deitado em uma toalha da cor que o representa (Nick tem uma toalha azul e Charlie tem uma toalha amarela), mas é Nick quem está vestido de camiseta amarela, o que indica sua paixão pelo novo namorado – ele está envolto pelo amarelo.
Como trata-se de um romance que aposta nos conhecidos clichês, é claro que não falta na série a famosa cena de beijo na chuva. Mas pelo menos ela ganha charme com o guarda-chuva com as cores dos dois – e nesta cena, cada um está vestindo as roupas com as cores correspondentes.