Disney na América Latina: divergências e similaridades
Em janeiro deste ano, uma decisão do governo argentino mudou os rumos do monopólio da Disney pela América Latina: a descentralização da posse dos canais esportivos era uma exigência para aceitar a fusão com a FOX.
A notícia surpreendeu o resto do continente, uma vez que é inédita e abre um caminho um pouco mais saudável e concreto para uma possível regulamentação do streaming. Em contrapartida, o resto do Cone Sul sofre com o monopólio e o desligamento abrupto dos canais na TV a cabo.
Como nada na América Latina acontece em concordância, no mesmo mês da decisão do nosso vizinho, o Brasil já contava os dias para o fim da maior parte dos canais em posse da empresa, algo que veio a ocorrer no último dia 31 de janeiro.
Apesar de não ser uma decisão surpresa, diversas operadoras tiveram que resolver suas vidas e buscar novos conteúdos para “tampar o buraco” no pacote. Engana-se, porém, quem pensa que a decisão beneficiou o consumidor, afinal, todos hoje só querem saber dos serviços de streaming.
A asfixia da TV a cabo beneficia as plataformas em posse da empresa, mas não o consumidor e tampouco o setor audiovisual brasileiro, que até então tinha seus programas e produções sendo exibidos na grade de programação.
Com um mercado de streaming ainda desregulado, é difícil saber se esses produtores continuarão ganhando, afinal, as determinações da Lei da TV paga ainda não atingem o novo modelo. Além disso, a decisão em nada muda a maneira com que as duas plataformas (Star+ e Disney+) atuam na região.
Ou seja, é possível que o consumidor continue tendo que pagar a mais para garantir acesso aos conteúdos que deseja e, no caso dos esportes, a pouca resolução em torno da distribuição, aumenta o custo ao assinante e ainda gera dor de cabeça, uma vez que as reclamações sobre a qualidade da exibição são cada vez mais recorrentes.
A decisão da Disney também sela o destino do público-alvo maior de 35 anos e não tão adepto assim ao streaming, como já abordado por mim na coluna ao debater o último estudo da Ancine sobre o impacto da TV paga no país.
Embora a modificação dos modos de ver seja algo natural, a preservação da TV é extremamente importante. Nem mesmo na União Europeia é possível se desfazer da mesma, seja pelos valores pagos, seja pelo consumidor mais velho. A democratização do streaming é cada vez mais uma utopia do que uma realidade.
E é sobre essa utopia que a Argentina vem tentando escapar, fazendo o caminho inverso aos seus vizinhos. A decisão do governo argentino também tenta ser um bote salva-vidas na popularidade do presidente Alberto Fernández com o setor audiovisual, que já vem mal das pernas desde o desmonte iniciado por Maurício Macri.
Pode-se dizer que a campanha eleitoral para as eleições presidenciais de 2023 na Argentina já começou. O impacto negativo dos resultados eleitorais para o Congresso e Senado fez com que o presidente tentasse resgatar a indústria, mesmo que ela ainda esteja sob o fantasma neoliberal de Macri.
Para os próximos meses, pode ser que a atitude da Argentina seja replicada também pelo Chile, que receberá um novo governo a partir do próximo dia 11 de março. O afastamento dos países da política de concentração estrangeira, entretanto, ainda não parece ser o suficiente para engatar discussões semelhantes no Brasil e no Uruguai, por exemplo.
Apesar de o nosso país ser o mais fraco entre os citados, a demora por uma resolução na modificação da Lei dos Meios de Comunicação do Uruguai já colocou a autoconfiança das plataformas para jogo com o Star+ anunciando que vai começar a exibir jogos do campeonato uruguaio com exclusividade. A pergunta que permanece é: com qual estrutura será suportado?
Mesmo que seja um país extremamente pequeno em comparação com o Brasil ou Argentina, o Uruguai atual também tem planos de vender estrutura da sua estatal para os grandes conglomerados, aumentando o custo dos assinantes em uma decisão de mercado que o colocar em posição similiar ao nosso país.
2022 não começou fácil e não há vislumbre para positividades durante o decorrer do mesmo. As eleições brasileiras ainda são incertas para o primeiro turno. O clima de vitória da aprovação da Lei Paulo Gustavo não chega até o streaming. Problemas já para 2023.