Crítica: Regresso a Reims (Fragmentos) – 45ª Mostra de São Paulo
Regresso a Reims (Fragmentos) – Ficha técnica:
Direção: Jean-Gabriel Périot
Roteiro: Jean-Gabriel Périot
Nacionalidade e Lançamento: França, 2021 (45ª Mostra de São Paulo)
Sinopse: Por meio do texto do escritor e filósofo Didier Eribon, interpretado pela atriz Adèle Haenel, o filme conta, também usando imagens de arquivo, uma história íntima e política da classe trabalhadora francesa, desde o início dos anos 1950 até os dias de hoje.
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Presente na Perspectiva Internacional da 45ª Mostra de SP e exibido na Quinzena dos Realizadores do Festival de Cannes e no Festival de San Sebastián, Regresso a Reims (Fragmentos) é um documentário dirigido por Jean-Gabriel Périot a partir do livro do escritor e filósofo Didier Eribon. Utilizando trechos das memórias de Eribon, que são narradas pela sensível voz da atriz Adèle Haenel (Retrato de Uma Jovem em Chamas), a narrativa é contada com o uso de fragmentos coletados de materiais de arquivo, filmes de ficção e documentários, todos relacionados aos esforços da classe trabalhadora francesa desde os anos 50 até os dias de hoje, examinando, em pouco mais 80 minutos, causas e efeitos sociais e políticos que afetaram – e afetam – a classe operária.
O documentário de Périot se beneficia, em primeiro lugar, pela escolha da forma. Ao sobrepor os relatos pessoais da família de Eribon em relação às condições precárias a que eram submetidos em vários âmbitos, com as imagens de arquivo já citadas, o diretor torna os relatos universais, sem perder a intimidade que atribui rostos a tais pessoas. É comum, em documentários que examinam causas sociais que afetaram toda uma classe, que os rostos daquelas pessoas se percam no documental. Aqui, trata-se de um efeito curioso em que o didatismo institucional pretende simbolizar um grupo para que tenhamos noção do escopo, mas não deixa de desumanizar parcialmente aquelas pessoas. Com o relato íntimo em primeira pessoa contado por Eribon através da aconchegante voz de Haenel, temos a impressão de que são nossos próprios familiares recontando suas memórias para nós, algo que não deixa de imprimir a indignação pretendida pelo diretor do documentário, e que simboliza e humaniza essa classe de forma equilibrada.
Quando vemos, nessa colagem, produções fictícias que retratam os abusos sofridos pelas mulheres – por vezes, obras que nem possuíam o comentário social como mote, mas apenas refletiam a sociedade da época (como todos os filmes – retratos do tempo em que estão inseridos – o fazem), temos também uma ressignificação. Assim, Retorno a Reims funciona como documentário em múltiplas camadas.
Dividido em duas partes – uma pessoal e outra política, com foco na emergência do Partido Comunista na França dos anos 70 – e mais um epílogo ambientado nos tempos atuais, a ótima montagem reflete muito bem essa história de uma causa e lutas que permanecem e evoluem através das épocas, já que a razão de aspecto se amplia – não deixa de ser um simbolismo – e as cores eventualmente se tornam predominantes.
Regresso a Reims se beneficia de um texto que possui imensa força. Eribon evoca a complexidade da situação com frases curtas, como quando diz, sobre sua mãe, que “suas ambições eram limitadas, e ainda assim, irreais”, ou quando fala que “ao envelhecer, o corpo do operário exibe a realidade de classes”. Em alguns momentos dos discursos destes trabalhadores, como explicitado pelos segmentos onde se trata do racismo desses operários com imigrantes por causa do medo de perder o emprego para eles, fica evidente uma ignorância política, mas a desumanização forçada sobre aquelas pessoas fica mais evidente justamente pelas entrevistas acompanhadas aqui, muito pela contradição de relatos puramente sensíveis, empáticos, trágicos; humanos.