Hollywood sem glamour
Referenciada no mundo inteiro como a maior indústria do cinema, Hollywood passou os últimos 100 anos de história ditando moda, tendências, comportamentos e até mesmo influenciando gerações a estudarem inglês e consumirem seus artistas do momento.
Tudo isso seria muito bom para um cenário de diversidade e cultura pop se ao menos ela investisse os mesmos bilhões de dólares do próximo blockbuster em segurança e respeito à vida de seus milhares de trabalhadores.
No último mês, denúncias sobre os abusos de carga horária e desgaste físico e mental vieram à tona através da ameaça de greve geral impulsionada pelo IATSE (Aliança Internacional de Técnicos e Funcionários de Palco), que prometia cessar a continuidade de produções por melhores condições de salário, descanso e proteção.
Os chocantes relatos de Ruby Rose e de tantos outros profissionais nos deixam pensando nos motivos que fazem uma indústria bilionária se negar a cuidar de quem realmente faz acontecer para que o entretenimento chegue até o público.
No ano passado, nesta mesma coluna, falei com ceticismo sobre o que viriam a ser os próximos anos para o cinema e TV com a volta de produções e o fim da pandemia. Muitos, naquele tempo, ainda se iludiam sobre uma possível valorização do cinema mais independente por serem historicamente mais baratos.
Essa poderia ser uma realidade bastante palpável para a indústria a nível mundial se não estivéssemos lidando com ameaças constantes de monopólio através de empresas gigantes, causando não só o acúmulo de produções a serem realizadas para cumprir com um calendário, como também deixando toda uma classe de realizadores mais pobres.
Neste ponto, sofrem os realizadores de países que não estão regulados e que não debatem essa questão com profundidade, mas está longe de não ser também um problema para os próprios norte-americanos, como é o caso da tragédia no set de filmagem da produção “Rust”.
Mesmo tendo o nome de Alec Baldwin como um possível captador de recursos para o filme, o longa de baixo orçamento iniciou suas atividades poupando recursos onde não deveria.
A falta de proteção e contratação de uma equipe realmente especializada é um grande “red flag” que deveria ser evitado a todo custo em um país que mantém sua economia criativa bastante saudável há 100 anos. E é neste ponto que vemos o que realmente importa para Hollywood atualmente.
Ainda que se tenha a possibilidade de investimentos públicos através das políticas de Film Commission espalhadas por cidades e estados estratégicos de filmagem, os grandes estúdios hollywoodianos escolhem a dedo quais filmes realmente financiar e ter uma incidência menor de problemas estruturais por um tempo, afinal, greves são constantes.
A produção em massa se elevou com a preferência ao streaming durante os longos meses de isolamento, fazendo com que os estúdios começassem a pensar em lançamentos híbridos, causando um sentimento de urgência do consumidor e propagando a sua vontade de consumir cada vez mais.
O desespero pela continuidade de produções também é um desespero para voltar a lucrar, visto que o entretenimento passou a ficar mais caro com a exigência da contratação de uma equipe especializada em COVID-19, limpeza, e um seguro que cobrisse também algum dano causado pela doença.
A tragédia de “Rust” não é apenas triste no sentido da perda de uma vida e de condições precárias de trabalho, ela é triste também por escancarar a vontade crescente de voltar ao sistema de estúdio. Produções subsidiadas por empresas que ditam o script e não dão mais benefícios e garantia de direitos aos autores das obras.
O problema não é apenas estético: é político. Embora se tenham normas, diretrizes, regras e regulamentos, a indústria audiovisual precisa arcar com legislações mais duras que impeçam o monopólio, abram a possibilidade de uma verdadeira competição de mercado e que tenham punições severas aos estúdios que burlem qualquer dessas disposições.
Alec Baldwin não é culpado, é mais uma vítima exposta pela negligência e prática nociva para que poucos tenham seus milhões reservados em contas no exterior e forcem a continuidade de uma hegemonia cultural cada vez mais maculada, fragilizada e ameaçada pelo Oriente.
A meu ver, Hollywood é hoje uma indústria sem glamour vendendo um estilo de vida inalcançável, enquanto mantém direitos trabalhistas mínimos a todos que um dia sonham em perpetuar uma carreira.