Crítica: Capitães de Zaatari - 45ª Mostra de São Paulo - Cinem(ação)
Crítica: Capitães de Zaatari - 45ª Mostra de São Paulo
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Crítica: Capitães de Zaatari – 45ª Mostra de São Paulo

Capitães de Zaatari (documentário) – Ficha técnica:
Direção: Ali El Arabi
Montagem: Menna El Shishinni
Nacionalidade e Lançamento: Egito, 2021 (45ª Mostra de São Paulo)
Sinopse: Mahmoud e Fawzi vivem no campo de refugiados Zaatari, na Jordânia. Embora não tenham ideia do que o futuro lhes reserva, eles se concentram em sua principal paixão: o futebol. Apesar da situação adversa em que vivem, os dois treinam diariamente, acreditando que o esporte profissional pode ser o passaporte para a liberdade.

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O sonho de ser um jogador de futebol é um dos mais difíceis de todo o mundo, e representa para milhares de garotos e garotas uma oportunidade de mudar drasticamente suas vidas. São comuns (mas não menos especiais) histórias sobre como os grandes dos grandes saíram de uma vida repleta de miséria e pobreza ao realizar este sonho. Acreditar no sonho é acreditar na própria força de vontade e determinação que se aliará, também, à sorte. Estar no lugar certo, na hora certa. Este sonho parece mais inimaginável para Mahmoud e Fawzi, dois garotos que parecem estar no lugar mais errado possível: vivendo no campo de refugiados Zaatari, na Jordânia. A jornada dos dois não é apenas em busca de uma oportunidade para se tornarem jogadores de futebol profissional, mas também de conseguir algum tipo de liberdade, uma escapatória da realidade de refugiados, em que vivem junto a tantos outros. O Documentário Capitães de Zaatari (Captains Of Za’atari), dirigido por Ali El Arabi, acompanha essa trajetória, que é vestida de tons mais grandiosos quando uma renomada academia esportiva chega ao local para selecionar jogadores para um torneio internacional em Doha, e o talento dos garotos é imediatamente reconhecido.

Diante dessa história real de grande apelo cinematográfico que Arabi tem em mãos, temos uma narrativa que alterna entre a câmera inquieta do documental e planos que possuem uma decupagem claramente mais pensada, algo que faz a obra se confundir frequentemente com uma ficção. Essa impressão, no entanto, não vem de forma a fazer com que a ficcionalização soe forçada sobre a jornada vista aqui – já que a história é impressionante por si só – e parece saída,  inclusive, da série de filmes Gol!, patrocinada pela própria FIFA. Assim, os registros iniciais, embalados por câmeras lentas em contraluz e uma trilha sonora edificante predominante parecem sugerir de início que estaremos diante de mais um veículo de sentimentalismo barato, que na mão de realizadores menos competentes utilizaria a já interessante história apenas como premissa para uma manipulação emocional mais fácil e convencional.

Felizmente, o que temos é uma obra que sabe quando tirar – sem exageros – proveito do potencial dramático da história desses garotos. O momento em que vemos o logotipo da Nike em segundo plano, grafitado em uma parede dos locais humildes habitados pelos protagonistas, possui um peso maior do que qualquer manipulação mais evidente. A personalidade contrastante de Mamhod e Fawzi acaba construindo uma narrativa sobre diferentes pontos de vista do mesmo sonho. Funciona tanto que ambos parecem personagens de fato, escritos para apresentarem pontos de vista diferentes sobre situações semelhantes. Enquanto Fawzi – o mais velho, mais temperamental – acredita com todas as forças no talento como motor principal de um infalível sonho, é Mahmoud – o mais novo e introspectivo – que fala sobre a importância dos estudos e demonstra um impressionante esclarecimento político sobre a condição de ambos. “Queremos oportunidades, não que sintam pena de nós”, diz o garoto com uma dignidade e consciência gigantes, em momento chave do filme.

Essa questão política dos refugiados é sentida em todos os momentos de Capitães de Zaatari, até mesmo nas importantes partidas jogadas pelos dois garotos ao decorrer do filme. Na esperança da boa atuação de Mahmoud e Fawzi em campo (uma esperança que compartilhamos nestes momentos de tensão), sente-se também a esperança além do sonho pelo esporte, e sim o sonho pela própria sobrevivência. A importância dessa questão é tanta que o filme inteiro parece ter caminhado para o momento da coletiva de imprensa onde Mahmoud fala sobre a vida destes refugiados.

O “obrigado” direcionado aos protagonistas, deixado nos letreiros finais pelo diretor, evidencia as intenções de um filme que olha para os garotos e a família destes com compaixão, sem exageros, com a dignidade que os sonhos merecem ser tratados.

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