Crítica: Irmandade - 45ª Mostra de São Paulo
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Crítica: Irmandade – 45ª Mostra de São Paulo

Irmandade – Ficha técnica:
Direção: Dina Duma
Roteiro: Dina Duma, Martin Ivanov
Nacionalidade e Lançamento: Macedônia do Norte, Kosovo, Montenegro, 2021 (45ª Mostra de São Paulo)
Sinopse: Maya e Jana são adolescentes e inseparáveis. Jana costuma assumir a liderança das ações e é seguida pela amiga. Até que um dia, ela convence Maya a postar um vídeo em que Elena, a garota mais popular da escola, aparece fazendo sexo com o interesse amoroso de Maya. O vídeo viraliza e Elena vê sua vida destruída. Após um violento confronto entre as três garotas, Elena desaparece.
Elenco: Antonija Belazelkoska, Mia Giraud.

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O fim da inocência

Conforme escândalos de subcelebridades – áudios e imagens vazadas sem consentimento sobre temas como sexo e adultério – se empilham no mundo de fora, acompanhados de um efeito manada nas redes sociais, com pessoas elevando tais assuntos aos trending topics do Twitter e memes sobre quem é a “vagabunda” e quem é o “santo” da situação, chega um filme como Irmandade (Sestra), na competição Novos Diretores da 45ª Mostra de São Paulo. O efeito tóxico que a internet, redes sociais ou o uso excessivo de celulares pode trazer na sociedade tem sido explorado cada vez mais no cinema – do comercial em grande circuito ao “filme de festival” – com um olhar particular à geração mais jovem e como ela se relaciona com esses mecanismos. Irmandade, filme angustiante dirigido por Dina Duma, utiliza a amizade tóxica de duas adolescentes, a protagonista Maya (Antonija Belazelkoska) e Jana (Mia Giraud), como ponto de partida para sua exploração.

A dinâmica dessa amizade, comum em qualquer ciclo colegial, fica evidente. Maya é a amiga tímida, e a cruel Jana é a libertina. Isso se estabelece já na cena inicial, quando as duas conversam sobre garotos, com as provocações de Jana em relação à virgindade e puritanismo de Maya. A dinâmica escala dramaticamente para o momento em que a protagonista é pressionada a pular de um penhasco em direção ao mar para fazer bonito perante os outros adolescentes, especialmente o garoto que representa o interesse amoroso/sexual de Maya, presente na ocasião.

As interações entre os círculos de jovens que constituem aquele “ecossistema” são estabelecidas rapidamente, como os ciúmes que as duas amigas principais nutrem por Elena (Marija Jancevska), uma garota popular e desinibida que estuda na mesma sala que elas. Mesmo não conhecendo a garota de fato, as amigas julgam Elena com ressentimento, algo que é baseado na inveja de vídeos do instagram onde a menina dança e alcança um número elevado de curtidas e seguidores.

Nesses momentos, as telas dos celulares vistas por seus personagens são reproduzidas no quadro para nós, e por mais que este recurso esteja sendo cada vez mais utilizado no cinema (no independente, particularmente, de forma mais experimental), ainda sentimos a estranheza que esse efeito provoca em nós, um estranhamento da intrusão, como se estivéssemos vendo algo íntimo. A projeção desses momentos banais em dispositivos eletrônicos projetadas no formato de uma tela de cinema ainda causa essa espécie de vale da estranheza, e num filme como Irmandade isso se atrela à discussão levantada sobre a importância atribuída a tais funções.

Portanto, quando as duas garotas filmam Elena praticando sexo oral no garoto que Maya gosta, colocando o vídeo no Instagram, o que seria uma inconsequência juvenil logo escala para um incidente criminoso de natureza cinematográfica – algo que não registrado de forma dramática, e por isso angustia ainda mais. O que temos então em Irmandade é uma exploração da culpa sentida por Maya e de como aqueles jovens reagem ao eventual desaparecimento de Elena.

É interessante como se extrai, sem sensacionalismos, a noção de que a crueldade praticada pelos jovens vistos aqui – à parte das ações psicopáticas de Jana – venha como uma forma de sobrevivência, como um sinônimo de crescer. Como não seria, também, no mundo visto em Irmandade? O que se estabelece aqui é um mundo de solidão opressiva sobre a personagem, um mundo onde os adultos são figuras deprimidas e infelizes. Na escola, a professora é retratada como uma pessoa rígida e cansada com o fardo de lidar com aqueles adolescentes que não largam o celular. A mãe de Maya, solitária e deprimida com o divórcio. Na delegacia, o policial é distante e desinteressado pela denúncia que a garota pretende fazer sobre o crime que cometeu junto de Jana, e que resultou no desaparecimento de Elena. A professora de natação – a relação das garotas com a água é algo presente no filme – aparece apenas como alguém que faz cobranças rígidas. Assim, o filme é eficaz em nunca exatamente vilanizar esses adultos, algo que é evidenciado na figura mais proeminente da mãe de Irina, uma pessoa complexa e empática.

Beneficia-se também que o filme nunca se coloca acima de sua protagonista, algo que é frequente em um tipo de “cinema de denúncia” que utiliza as figuras que habitam sua narrativa apenas para transformá-las em fantoches do ponto que quer provar. Assim, temos o foco primário na jornada de crescimento (entendimento?) de Maya perante o mundo que vive, em como ele afeta suas ações, e dessa jornada pessoal se entende o escopo do coletivo dessa sociedade doente. Na passividade de sua protagonista – algo que pode incomodar alguns espectadores – se cresce a sensação claustrofóbica de enclausuramento, algo que é fortalecido pela ótima escalação de Maya, vivida por Antonija Belazelkoska e seus grandes olhos azuis que comunicam um mar de emoção no silêncio.

Irmandade se torna então um retrato um tanto deprimente sobre o mundo no qual vivemos, um relato que não grita o quanto este mundo é cruel e permite que os sintomas de uma sociedade doente sangrem pelas bordas da jornada de sua protagonista. As reclamações emergentes sobre uma suposta falta de resolução de um conflito principal podem ser infundadas: o conflito real reside na da jornada de Maya e Jana, e a trágica rima visual que acontece antes do final do filme vem dessa resolução, evidenciando o trauma carregado pela protagonista, sufocada pelo azul que toma conta após o freeze frame final e traz a perda da inocência. A perda da humanidade.

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