Crítica: Madeira e Água- 45ª Mostra de São Paulo
Madeira e Água – Ficha técnica:
Direção: Jonas Bak
Roteiro: Jonas Bak
Nacionalidade e Lançamento: Alemanha, França, Hong Kong, 2021 (45ª Mostra de São Paulo)
Sinopse: Após se aposentar do trabalho na igreja de sua cidadezinha, na Floresta Negra, Anke está ansiosa para rever os filhos durante as férias de verão no mar Báltico. Porém, no último minuto, Max, um de seus filhos, não consegue se juntar à família por causa dos protestos que tomam conta de Hong Kong, onde vive. Sem vê-lo há muitos anos, e depois de um verão um pouco tedioso, Anke decide visitá-lo.
Elenco: Anke Bak, Ricky Yeung, Alexandra Batten, Patrick Lo, Theresa Bak.
.
Complicado mundo novo
Em determinado momento de Madeira e Água (Wood and Water), o primeiro longa-metragem do diretor Jonas Bak – que tem exibição nesta 45ª Mostra de SP – registra imagens da antiga casa de férias de uma senhora alemã (Anke Bak, mãe do diretor). Nestas imagens, filmadas em planos estáticos da casa de verão próxima ao mar Báltico, temos um voice over da protagonista. Conforme cortamos para a próxima imagem estática retratando o exterior da casa que já foi local de muita alegria familiar, temos um quase efeito de projetor de slides, enquanto a recém-aposentada reflete em narração sobre os tempos de outrora: “A casa é um símbolo de algo faltando na minha vida”.
Intimista e eficaz, o momento reflete bem a sensação provocada pelo filme, a de estarmos assistindo a um registro íntimo, documental – de uma figura real. Isso fica claro não só pela escalação da protagonista sem nome, vivida pela mãe do próprio diretor, mas pelo tom documental que adotará durante o resto da projeção, que segue a protagonista de uma viagem em cima da hora da Europa até Hong Kong com o intuito de ver Max, um de seus filhos, que não conseguiu se juntar à família nessa casa de férias por causa dos protestos que tomaram conta de Hong Kong de 2019 a 2020, que eram contra um controverso projeto de lei que permitiria a extradição de suspeitos de crimes para a China continental, onde seriam julgados.
Uma vez em Hong Kong, temos um imediato efeito-chicote: o caráter documental prevalece, mas o tom, que era intimista nos registros ambientados na Alemanha rural onde vive a protagonista, é sufocado pela impessoalidade da cidade grande, com os frequentes planos abertos que acompanham a senhora – estáticos e à distância –enquanto anda pelas ruas da metrópole.
Nesse sentido, é curioso notar como as grandes metrópoles orientais, com seus sistemáticos caos organizados, se revelam como eficazes espaços para estudo de personagem em relação à desumanização e alienamento, com o exemplo claro de Encontros e Desencontros, de Sofia Copolla, e o recente nacional Mulher Oceano (exibido também no CinePE 2020), de Djin Sganzerla, ambos filmes sobre mulheres que buscam se encontrar, desta vez em Tóquio, e também dois filmes que frequentemente recorriam à abordagem semidocumental.
O contato e a desconexão da protagonista com esse novo mundo, um mundo que ela não entende enquanto ele não a entende de volta, fica demarcado de várias formas em Madeira e Água. “Os tempos mudaram” é uma frase um tanto marcante, logo no início do longa, dita numa conversa entre a mãe e uma parente. “As universidades também se modernizaram”, diz a parente para a protagonista. Frases como essas poderiam soar apenas como comentários rasos em produções de abordagens formais diferentes, mas no tom documental incutido por Bak, o que temos são tais frases intercaladas pelo silêncio cotidiano, como se houvesse um mundo de sentimentos tentando ser transmitidos pelas tímidas afirmações dessas mulheres, e o retrato documental só fortalece a intimidade destes momentos.
Ao nomear a protagonista apenas como “mãe”, o filme ajuda a tornar universal a condição que a aflige. Como não seria? Envelhecer é universal. E com o envelhecimento, sempre entram em pauta discussões sobre solidão, abandono, falta de propósito e o choque com o novo mundo, que luta contra alicerces estruturados pelas gerações passadas. Assim, o exemplo claro dos protestos de muitas pessoas que lutavam pelo futuro em Hong Kong aqui não se torna mais do que um pano de fundo para situar tais ideias: é nossa protagonista em contato com um mundo desconhecido em constante movimento.
O filme fica muito poderoso, então, nos poucos momentos de diálogo e contato da mãe com as figuras que cruzam seu caminho em Hong Kong, como aquele em que ela conversa com uma jovem que dorme na parte de cima do beliche no qual está deitada. Nunca vemos o rosto da garota nessa abordagem distanciada do semidocumental, então ela acaba de alguma forma simbolizando a própria juventude, externando, embriagada, sua forma de ver o mundo, uma voz que ecoa pelo quarto em direção à distante mãe.
Um momento em particular do reflexivo e sensível Madeira e Água acompanha a protagonista enquanto ela se encontra no apartamento do filho ausente. Sentada próxima à janela, ela observa a metrópole do outro lado do vidro. Não sabemos se a mãe está serena, intrigada ou deprimida, no silêncio que a acompanha frequentemente no resto da projeção. Ela abre a janela, num gesto que pareceu fruto de muita ponderação. O caos entra como um hóspede indesejado: barulhos de carros, pessoas e gritos do mundo novo lá fora.
Ela fecha a janela.