Crítica: Lua Azul - 45ª Mostra de São Paulo - Cinem(ação)
Lua Azul - 45ª Mostra de Cinema de São Paulo
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Crítica: Lua Azul – 45ª Mostra de São Paulo

Lua Azul – Ficha técnica:
Direção: Alina Grigore
Roteiro: Alina Grigore
Nacionalidade e Lançamento: Romênia, 2020 (45ª Mostra de São Paulo)
Sinopse: Acompanhamos a jornada emocional de uma jovem que caminha rumo a um processo de desumanização. Irina luta para conseguir chegar ao ensino superior e, assim, escapar da violência de sua família problemática.
Elenco: Ioana Chitu, Mircea Postelnicu, Mircea Silaghi, Vlad Ivanov, Emil Mandanac.

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Lua Azul, um dos filmes de abertura da 45ª Mostra de SP e vencedor do Prêmio de Melhor Filme no Festival de Sebastián, é uma experiência incômoda. Escrito e dirigido por Alina Grigore em seu primeiro trabalho como diretora, o filme começa numa mesa onde a família de Irina (Ioana Chitu) se reúne. A diretora é ciente de que tais reuniões – até mesmo por uma tradição fílmica – são momentos ótimos para trabalhar dinâmicas familiares e o que há de disfuncional nesses núcleos. Então logo no início somos bombardeados, num plano contínuo, pelos conflitos dos integrantes da família, onde a introdução de cada personagem acaba sendo, também, a introdução de um conflito que afetará diretamente Irina no decorrer da projeção.

O eficaz design de som ajuda na sensação de incômodo, com todas as vozes dos familiares sobrepondo umas as outras, tornando-as quase ininteligíveis. O que fica claro nos diálogos direcionados a Irina é a vontade da garota de sair deste local e de sua família em direção a uma universidade em Bucareste, a “terra das oportunidades” para os habitantes locais. Imaginamos que isso se deve ao fato de Irina ser submetida ao exaustivo trabalho de cuidar da fazenda que serve, também, de hostel, hospedando turistas na temporada de férias. Esse trabalho se reserva principalmente às mulheres da família, e fica claro como Irina é considerada uma jovem-prodígio pelos integrantes, que tentam a todo custo mantê-la naquele local.

Chama atenção em Lua Azul como sua diretora utiliza elipses para contar sua história. Grigore escolhe, junto de seu fotógrafo Adrian Paduretu, mostrar apenas fragmentos de eventos ou personagens reagindo a acontecimentos que não são mostrados em tela, alguns apenas insinuados ou explicados para nós. Dessa forma, é como se a reação de Irina aos acontecimentos a seu redor fosse tão ou mais importante que estes acontecimentos em si. Isso ocorre porque o que vemos durante a obra é uma série de abusos impostos sobre a personagem, um dos mais graves de seu próprio primo, o agressivo e ignorante Liviu (Mircea Postelnicu, excelente no papel). A própria situação de estupro que a personagem sofre é retratada desta maneira: vemos apenas as reações após o ato, do ponto de vista de Irina.

Esse acontecimento é um dos mais complexos e perturbadores da obra em várias camadas, já que a protagonista vê o professor que cometeu o crime como uma espécie de oportunidade para se desprender dos abusos de sua família, algo que explicita o desespero da garota para fugir de lá, um desespero pela fuga maior do que a violação sexual cometida contra ela. Assim, Lua Azul se torna também um estudo de personagem, no qual acompanhamos as atitudes enigmáticas de Irina em seu plano maior para se libertar. O filme nos esconde informações (visuais e de roteiro) assim como a protagonista esconde dos personagens em cena, como se o filme fosse cúmplice de Irina em seus planos. O pôster de Lua Azul é um simbolismo bem evidente da obra: uma mão que corta asas de uma criatura que só quer voar.

O que impede Lua Azul de se tornar o que chamam de “pornô de sofrimento”, nome dado a obras que submetem seus protagonistas a misérias de forma ininterrupta e frontal, é que – à parte das escolhas de decupagem muito inteligentes da diretora – temos também a irmã mais nova de Irina, Vicki (Ioana Ilinca Neacsu). O conflito da personagem, traumatizada pelo divórcio dos pais, envolve um relacionamento que ela esconde da família: exigem que ela seja virgem e se incomodam com a possibilidade de seu possível namorado ser judeu. Na subtrama de Vicki, que eventualmente se cruza com a jornada de Irina, temos também um olhar maior no escopo cultural de como essas mulheres são tratadas pelas figuras masculinas, que manipulam e punem de toda forma as duas irmãs.

Nesse jogo de elipses, o filme encontra o seu momento mais poderoso: após a explosão da tensão acumulada durante o filme inteiro, temos o plano contínuo e estático em que Irina retorna caminhando em direção à câmera. Quando distante, podemos vê-la através do foco. Quanto mais se aproxima, mais desfocada fica, como se os registros de seu sofrimento devessem cessar, e a decisão final desse conflito e de seus problemas, resolvidas fora do quadro.

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