Crítica: Coisas Verdadeiras - 45ª Mostra de São Paulo - Cinem(ação)
True Things - Coisas Verdadeiras - 45ª Mostra de Cinema de São Paulo
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Crítica: Coisas Verdadeiras – 45ª Mostra de São Paulo

Coisas Verdadeiras – Ficha técnica:
Direção: Harry Wootliff
Roteiro: Harry Wootliff, Molly Davies
Nacionalidade e Lançamento: Reino Unido, 2021 (45ª Mostra de São Paulo)
Sinopse: Kate leva uma vida apática, até o momento em que a oportunidade de sexo casual com um desconhecido por quem se sente atraída a desperta. Apaixonada, ela embarca numa aventura perigosa.
Elenco: Ruth Wilson, Tom Burke, Hayley Squires.

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Assistir a Coisas Verdadeiras (True Things), segundo longa-metragem da cineasta Harry Wootliff (Only You), exibido na competição Novos Diretores da 45ª Mostra de SP, é como assistir a um iminente acidente de carro. Kate (Ruth Wilson) está deprimida. A mulher parece distante mentalmente no trabalho e em todos os outros lugares de sua vida pessoal, algo que é evidenciado pela fotografia de Ashley Connor (que também fotografou O Mau Exemplo de Cameron Post, presente na 42ª Mostra), que retrata a personagem frequentemente em planos fechados e através de lentes que desfocam tudo atrás do primeiríssimo plano, isolando a personagem do mundo ao redor, como se tudo fosse – aqui literalmente – embaçado e indistinguível.

Quando Blond (Tom Burke) entra na vida de Kate, é como se víssemos tudo que está prestes a acontecer, com os “red flags” –termo que se tornou comum nos tempos atuais mais conscientes do que nunca em relação a homens abusivos – bem evidentes: por trás do charme, da honestidade cruel e do espírito livre, o ex-presidiário Blond possui todos os traços de manipulação e toxicidade comumente pressentes em seu arquétipo de homem-perigoso. Após um incidente de sexo casual num lugar público, ambos começam um projeto de relacionamento, e presenciamos a degradação emocional e física que Kate se submete para que continue com o sujeito.

No meio de incontáveis situações de abuso emocional e relacionamentos tóxicos que presenciamos na vida real e em outras produções, não existe alguma reviravolta mais elaborada ou fora do infeliz “lugar-comum” na trama, que pretende acompanhar os registros que faz aqui como um estudo de personagem. Talvez ciente disso, o longa de Wootliff, inspirado no livro “True Things About Me” de Deborah Kay Davies, se beneficia da escalação de elenco inspirada, e da forma com a qual aborda nas imagens o estudo de personagem que pretende fazer. Como já citado, a fotografia segue o caminho do sensorial, com seus closes extremos no rosto de sua personagem, de gestos feitos pela mesma, de partes de seu corpo, em foques e desfoques que transmitem para nós a sensação de estar em constante tentativa de se estabilizar, de encontrar solidez que é experienciada pela protagonista.

É interessante como, através desse sensorialismo que nos coloca na pele de Kate e nos faz ver como ela percebe o mundo ao redor, o filme nos submete de início à dúvidas em relação aos atos que transcorrem antes que eles escalem ao escancaro de fato e às intenções de Blond, algo que é fortalecido pela escalação do sempre magnético Tom Burke, um ator de presença de tela natural, que confere um charme instantâneo ao asqueroso sujeito que interpreta.

Porém, a maior virtude de Coisas Verdadeiras é mesmo Ruth Wilson, que constrói Kate como uma figura frágil e instável em estado de ebulição, seja nas formas como entrega piadas mecânicas de autodefesa, na melancolia reprimida do olhar ou nos eventuais arroubos de descontrole e desespero. O maior trabalho da atriz ainda permanece na sua linguagem corporal, de sutilizas que escancaram a psique danificada da personagem, culminando em momentos como aquele em que Kate vai a uma festa regada a drogas, ou no particularmente desesperador onde a personagem percorre um supermercado em busca de comida para o monstruoso personagem de Burke, unidimensional por excelência.

Uma interpretação que culmina no catártico momento onde Kate dança frenética e desengonçadamente ao som Rid of Me, de PJ Harvey, nessa atuação magnética que salva o correto estudo de personagem Coisas Verdadeiras – frequentemente à beira de suas próprias afetações visuais – e o eleva a um filme mais interessante.

  • Nota
3.5

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