O fogo na Cinemateca e a resposta abjeta de Mário Frias
Aconteceu o que muitos temiam: após anos de sucateamento e crises geradas por um projeto de destruição da cultura brasileira, o galpão da Cinemateca Brasileira na Vila Leopoldina, em São Paulo, sofreu um incêndio no fim da tarde do dia 29 de julho de 2021.
A comunidade cinéfila e artística chorou junto com a história do cinema brasileiro, que perdeu incontáveis rolos de filmes de valor inestimável, além de documentos da Embrafilme que contavam a história do nosso cinema.
Em seu artigo aqui no Cinem(ação), a produtora Marina Rodrigues repercutiu o debate sobre o abandono no qual o audiovisual brasileiro se encontra há anos. Dizer qualquer coisa a mais seria chover no molhado.
No entanto, algo revoltante que precisa ser comentado é a resposta vergonhosa dada pelo secretário especial da cultura, Mário Frias. Como primeira resposta ao incêndio, o ex-ator de Malhação anunciou que entraria com pedido na Polícia Federal para investigar se o ocorrido foi criminoso. Sabendo que muitos dos itens armazenados são altamente inflamáveis, e tendo em vista o armazenamento em condições menos favoráveis devido à falta de verba, não fica difícil compreender que o criminoso da história foi o Estado. Dizer que a Polícia Federal vai investigar o ocorrido é uma forma de Frias não se responsabilizar por nada, construir uma narrativa de que ele seria “vítima”, além de prolongar o tempo de resposta para que o episódio caia no esquecimento.
De Roma, onde foi para uma cúpula do G20 (e discursou citando apenas a memória de artistas estrangeiros), Mário Frias chegou a atacar o governo do PT (em postagens contra o deputado Paulo Pimenta), alegando que a culpa do incêndio seria uma “herança maldita” dos tantos anos em que o país foi governado pelo partido.
O que Mário Frias faz ao desconfiar de incêndio criminoso e atacar o governo anterior é um jogo sujo e nojento de que busca fugir das próprias responsabilidades. Desde que o Governo Federal deixou de repassar os valores à Associação Roquette Pinto, que administrava a Cinemateca, a crise apenas se agravou, com a demissão dos funcionários e o fechamento do espaço cultural.
Como se não bastasse a reação mimada e violenta (apenas pelo Twitter, é claro) de um secretário da cultura desprovido de qualquer empatia pelo ocorrido, o Governo Federal emitiu, no dia seguinte ao incêndio, um edital de chamamento para entidades sem fins lucrativos concorrerem à gestão da Cinemateca.
A realização desse chamamento apenas um dia depois, sendo que é algo poderia ter sido finalizado há meses, é um verdadeiro escárnio à cultura e à memória do audiovisual brasileiro. Ao fazer isso, a Secretaria Especial da Cultura e o Governo Federal mostram que o processo poderia ter ocorrido com celeridade, mas não ocorreu por puro e simples descaso.
Pelo menos Mário Frias não pode ser acusado de estar dissonante ao governo Bolsonaro. Sua atitude de fugir das responsabilidades e criar subterfúgios para acusar opositores é exatamente a mesma de seu mestre, o capitão encarregado deste navio desgovernado que chamamos de Brasil.
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*foto de destaque: Clara Angeleas/MinC – Flickr