O que perde a economia de um país que deixa de investir no audiovisual?
Um dos maiores jargões de quem trabalha com cinema é ouvir, desde a época dos cursos técnicos e da graduação, que a nossa profissão é uma construção coletiva. E não poderia ser mais real, afinal precisamos de um diretor, roteirista, assistentes, técnicos de elétrica e até mesmo cozinheiros dentro dessas infinidades de funções.
Certamente você como cinéfilo já parou para assistir aos créditos finais de um filme até o final, e se espantou com a quantidade de nomes ali contidas, bem como agradecimentos especiais às empresas que colaboraram ou patrocinaram a obra para que ela pudesse acontecer.
O problema é que muitas vezes acabamos esquecendo que o mercado cinematográfico é um dos que mais empregam, e atualmente um dos que mais geram lucros para outros setores da economia. Por esquecer desse pequeno detalhe, também nos esquecemos da participação dele na economia e o que isso causa para um país.
Na última cerimônia do Oscar, vibramos com a vitória do drama sul-coreano “Parasita” por diversas razões, mas uma das principais era a quebra de um jejum de quase 100 anos um filme estadunidense levar o maior prêmio da noite. Mas como será que Parasita chegou até lá?
Em outras oportunidades abordei com profundidade a crise econômica que foi causada pelo domínio de filmes norte-americanos no cinema do país em 1994 e o trabalho de reestruturação do governo para sanar as dívidas e prejuízos contraídos com isso.
Essa semana tivemos o anúncio de que o serviço de streaming da HBO Max chegará ao Brasil e ao continente latino-americano como um todo, e esse artigo sobre as contribuições públicas na Coreia do Sul voltam à minha mente para provar que esse é um assunto que não devemos parar de frisar até que o nosso audiovisual também seja respeitado.
As diferenças entre Coreia do Sul e Brasil vão muito além do idioma e da cultura nacional: elas também evidenciam com clareza que já estamos fadados a repetir o ano de 1994 dos sul-coreanos – e nem parece que quase no mesmo período também sofríamos um desmonte sem precedentes. Mas, bem, o que isso tem a ver com economia, afinal?
No meio da pandemia do novo coronavírus, dados da Secretaria de Cultura de São Paulo já estimavam uma perda milionária para o setor cultural, algo que chegava praticamente perto de ser metade do PIB da maior metrópole do país.
A falta de eventos presenciais já tirou o emprego de muitas pessoas que talvez nunca pisaram em um teatro, mas que contribuem com as roupas, iluminação e todo resto que vemos em cena, e o mesmo ocorre no audiovisual, tão fácil de ser acessado hoje pelos streamings disponíveis a nossa volta.
São tantas opções que às vezes é até difícil se decidir, mas vibramos a cada player que deseja adentrar no Brasil: comodidade nunca é demais. A felicidade é tanta que ignoramos todas essas pessoas que colaboram para a economia do nosso país funcionar.
Sem regulação das plataformas de streaming, em um momento de grande popularidade, deixamos de arrecadar investimentos para o Fundo Setorial do Audiovisual (FSA) e, como consequência, menos produções poderão ser realizadas em larga escala no segundo maior mercado da América Latina.
Mesmo que todas as plataformas hoje ativas em nosso território contribuam aqui ou ali com uma ou duas séries originais, as mesmas não são capazes de manter um mercado de mais de mil produtoras abertas e 300 mil empregos gerados direta e indiretamente.
Se você pensa que isso afeta o bolso do ator global ou aumenta uma ilusória concorrência interna, não poderia estar mais enganado. Ao ser complacente com a entrada desenfreada de plataformas estrangeiras sem tributação, a costureira da sua rua, ou o mecânico que você conhece e que aluga carros, também terão suas rendas diminuídas, afinal, os pedidos de aluguel ou reparo desses serviços será praticamente nulo com uma paralisação quase que total de uma indústria rentável.
Recebo a notícia da entrada da HBO Max com bastante tristeza e, talvez, com um pouco mais de desesperança em ver um debate realmente sólido no Congresso na defesa dessa regulamentação que não só garante renda extra a diversas pessoas anônimas no Brasil, como também contribui para que o PIB nacional não seja impactado. E numa crise econômica já impulsionada por um vírus que insiste em mudar nossas rotinas, a conta da irresponsabilidade e a falta de vontade de se abrir ao diálogo em prol do seu entretenimento, é você que irá pagar sem perceber.