O progresso no audiovisual europeu enquanto o Brasil anda para trás
Em outras ocasiões aqui na minha coluna, falei sobre a importância do streaming como um modelo de mercado válido para ser encarado como parceiro econômico, algo que a Europa parece começar a aceitar muito bem.
Prevista para ser aprovada no início do ano – mas sofrendo atrasos por conta da pandemia – a regularização dos serviços de streaming na França finalmente foi realizada nessa semana.
Em meio a divergências de muitos consumidores e profissionais do ramo quanto à eficácia de um modelo regulatório, a França sai na frente apostando na busca por uma igualdade pouco vista em outras regulações já em voga.
A grande novidade na legislação francesa é a possibilidade de o autor da obra retirar o seu produto de circulação de um streaming caso não esteja satisfeito com o tratamento dado pelas plataformas.
Em outros países, essa quebra de licenciamento pode ocorrer apenas por parte do VOD, mesmo que os donos dos projetos sejam livres para conquistar outros licenciamentos durante a permanência do título no catálogo – algo que ocorre com a série “Dark”, que tem acordos de distribuição com um canal alemão de televisão.
Dessa maneira, a lei institui um prazo de 12 meses para filmes e 36 meses para os seriados, ficando a cargo do autor a renovação ou não do licenciamento com o streaming.
Maior taxa de contribuição e obrigatoriedade em investir em produtoras independentes.
Enquanto a Alemanha vem tendo sucesso com a mesma regulamentação prevendo uma taxa de 2% de imposto para a aquisição de obras do país, a França já começa o seu primeiro ano legislativo pedindo 20%. Parte dessa tributação, porém, deve ser destinada às produções independentes do país, buscando uma igualdade de recursos entre as empresas.
A estimativa do Conselho Superior do Audiovisual é de que as medidas promovam a participação francesa em até 80% nesses espaços online – hoje, a cota de participação de conteúdos franceses no país para o modelo tradicional de TV é de 50%.
Com isso, a Europa vai assumindo um protagonismo econômico muito interessante no mercado audiovisual para o mundo pós-pandêmico, com plena capacidade de gerar novos postos de trabalho e editais de apoio aos seus trabalhadores.
Enquanto a França vai reservando 25% de espaço nas plataformas ativas no país, o Brasil se distancia cada vez mais do progresso de encarar o audiovisual como um motor econômico.
Ameaça de fusão das agências reguladoras e o fim do financiamento público no Brasil
Apesar de a semana ter sido positiva na Europa quanto aos rumos do audiovisual, por aqui começamos uma nova batalha com a equipe econômica do governo vigente. Um relatório da OCDE (Organização para Cooperação do Desenvolvimento Econômico) divulgado na última segunda traz o polêmico incentivo à fusão da Anatel e Ancine.
Na ocasião, o relatório defende que a criação de uma agência reguladora unificada pode ser o caminho para a simplificação do modelo burocrático das políticas do audiovisual, chamando a atenção para a necessidade de acabar com a proibição à propriedade cruzada hoje ativa na Lei do SeAC.
Tais propostas dão uma receita perigosa para a conquista do monopólio estrangeiro no país, uma vez que a fusão da AT&T com a TimeWarner já foi “autorizada” pelas duas agências em questão e passa por cima da lei mais importante do audiovisual no Brasil, para benefício do serviço do streaming da HBO.
Outro ponto defendido pelo relatório, mesmo que sem apresentar clareza nas palavras, é a sugestão da diminuição da contribuição do CONDECINE pelas empresas de telecomunicações.
Por ser um grande inimigo dessas organizações, o fim dessa CIDE pode vir a ser visto com bons olhos pelos empresários do setor, causando uma perda incalculável ao FSA (Fundo Setorial do Audiovisual). Enquanto isso, os debates sobre a regulação do streaming no Brasil não avançam sequer no Congresso, que já coleciona pedidos de revistas nos artigos do SeAC para tal adequação. Se ainda sobrar Brasil após Bolsonaro deixar o poder, o mercado audiovisual vai ter um grande trabalho novamente para devolver o crescimento expressivo que estava tendo até então. Uma lástima.