Lado Selvagem: entrevista com Stéphanie Michelini
Lado Selvagem: o polêmico filme francês que ganhou vários prêmios e revelou para o mundo a transexual Stéphanie Michelini
Conversamos com a protagonista francesa dezesseis anos depois, em que comentou seu encanto pelo Brasil e pela sétima arte.
A parisiense Stéphanie Michelini viu a sua vida mudar completamente em 2003, quando o diretor de cinema Sébastien Lifshitz buscava uma transexual não operada para protagonizar o drama francês “Lado Selvagem”. Exibido no ano seguinte na abertura do Festival Mix Brasil de cinema LGBT, a obra abordou o triângulo amoroso entre uma mulher trans que trabalhava a noite como profissional do sexo e que mantinha um relacionamento amoroso com dois imigrantes ilegais. Juntos, os três formam uma família, vivendo em um bairro periférico de Paris. Quando a mãe da personagem adoece, ela segue na companhia dos seus dois amantes para o norte da França, para cuidar da mãe e também superar as feridas e traumas do passado.
Consagrado pela crítica e público, o filme revelou para o mundo a transexual Stéphanie Michelini, que nunca havia trabalhado antes como atriz, tendo recebido diversos elogios pela sua primorosa atuação. Lado Selvagem participou do Festival Internacional de Cinema de Berlim, faturando o Teddy Bear de melhor filme, também fez parte do Prêmio Especial de Júri (Special Jury Award) em Gijón na Espanha, além do Prêmio do Grande Júri por Destaque Narrativo Internacional em Los Angeles. No Festival Mix Brasil, o evento contou com a presença ilustre de Michelini nas exibições no Rio e em São Paulo.
Carreira no Cinema
Dezesseis anos depois, como está a estrela do filme que rodou meio mundo divulgando a obra em 2004 quando foi lançado? O CinemAção conversou com Stéphanie Michelini direto de Paris, sobre vários assuntos e principalmente a respeito do filme que abriu as portas para ela na sétima arte. Questionada sobre como foi descoberta pelo diretor, Michelini diz que se tornou atriz por obra do acaso. Formada em História, um colega de um amigo dela conhecia um produtor de elenco que estava procurando uma transexual para fazer uma audição para um filme. O diretor já havia feito testes com algumas transexuais, mas nenhuma delas havia agradado o diretor o suficiente para ele bater o martelo quanto a escolha da protagonista.
“Quando ele me conheceu, me achou diferente, foi quando ele teve a certeza de ter encontrado a ‘heroína’ da história dele.” revela Michelini. O filme contou com a participação de várias transexuais brasileiras que eram profissionais do sexo na vida real, inclusive o filme conta com vários diálogos delas em português. O papel principal ficou para Stephanie, em que atriz e personagem confundiram os jornalistas que acharam que era a vida dela sendo levada paras as telas pelo fato de terem o mesmo nome, algo que Michelini esclareceu, deixando claro que sempre manteve uma ótima relação com a família, ao contrário do distanciamento de sua personagem com os familiares.
Pontuado com algumas cenas de sexo e nudez, que fazem parte do contexto da obra. Michelini declarou que se preparou psicologicamente para essas cenas, e que a equipe técnica foi reduzida ao mínimo para dar segurança ao elenco. Aliás, o nu frontal no cinema francês é algo bastante comum, ao contrário do cinema americano que é mais “reservado”, não é à toa que filmes como Showgirls(1995) e Instinto Selvagem(1992) foram dirigidos pelo holandês Paul Verhoeven.
Indagada sobre o que ela achava a respeito de atores cisgêneros fazendo personagens transexuais e se isso não seria ‘roubar’ a oportunidade de atores trans. Stéphanie Michelini argumenta que esta é uma questão que a deixa em dúvida, pois admite que achou extraordinária a atuação de Felicity Huffman no filme Transamérica, mas critica afirmando que a maioria dos personagens trans feitos por atores cisgêneros não é muito convincente; ao mesmo tempo que pondera que atores trans não fiquem presos a somente personagens trans.
Amor pelo Brasil
A atriz francesa, cujos traços lembram os de uma mulher brasileira da região Nordeste do país, revelou que esteve cinco vezes no Brasil e que gostou de várias coisas daqui: a paisagem, a música, as pessoas e a comida. Michelini comenta que esteve no Rio de Janeiro duas vezes para curtir o Réveillon e que até visitou uma quadra de uma escola de samba, embora lamentou não ter vindo durante o Carnaval. Ela também esteve em Paraty (RJ), Petrópolis (RJ), São Paulo e Bahia, ressaltando que adorou Salvador e comentou uma curiosidade interessante: “Por coincidência, estava caminhando, e encontrei por acaso um cinema que estava exibindo Lado Selvagem/Wild Side. O gerente do local me ofereceu o pôster brasileiro do filme. Eu esperei a sessão terminar, e os espectadores ficaram surpresos quando me viram.”
Com tantos filmes franceses sobre temática LGBT, será que a atriz acha que o cinema francês dá muitas oportunidades de trabalho para atores trans? Categórica, ela responde fazendo uma crítica que dá pouco espaço para atores trans, mesmo os cineastas gays franceses. Ainda assim, Stéphanie Michelini só tem razões para comemorar, ela soma até agora doze trabalhos realizados entre televisão e cinema, sendo uma das atrizes (trans) mais reconhecidas e proeminentes da França.
LADO SELVAGEM (Wild Side)
França, 2004
Direção: SÉBASTIEN LIFSHITZ
Roteiro: STÉPHANE BOUQUET, SÉBASTIEN LIFSHITZ
Fotografia: AGNÈS GODARD
Montagem: STÉPHANIE MAHET
Música: JOCELYN POOK
Elenco: STÉPHANIE MICHELINI, YASMINE BELMADI, EDOUARD NIKITINE, JOSIANE STOLÉRU
Duração: 93 minutos
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Texto escrito por: André Araújo ([email protected])