Crítica: Um Animal Amarelo – 48º Festival de Gramado
Um Animal Amarelo é fábula e reflexão de um Brasil de hoje com cicatrizes do passado.
Ficha técnica:
Direção: Felipe Bragança
Nacionalidade e Lançamento: Brasil, Portugal, 24 de janeiro de 2020 (Festival de Rotterdam), 20 de setembro de 2020 (Festival de Gramado).
Sinopse: Fernando é um cineasta falido e perdido que precisa realizar uma jornada em busca de seu passado para entender o seu presente. Só assim para fazer um filme sobre seu país que está perdendo a identidade.
Elenco: Higor Campagnaro, Isabél Zuaa, Catarina Wallenstein, Tainá Medina, Sophie Charlotte, Herson Capri, Thiago Lacerda.
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“Um Animal Amarelo”, novo filme de Felipe Bragança (Não Devore Meu Coração), é uma fábula repleta de simbologias sobre o Brasil e, principalmente, o homem branco brasileiro. Acompanhamos a história de Fernando, possível alter ego do próprio cineasta, que sonha em fazer um filme, mas antes segue uma jornada em busca de riqueza e dinheiro, enquanto seu país muda completamente. Ao longo desta jornada, Fernando é “assombrado” pela figura de um animal peludo e amarelado.
Mas é a forma como as coisas acontecem que faz toda a diferença. Um Animal Amarelo é uma espécie de fábula, que aposta no lúdico e em sequências quase surreais para nos levar em uma jornada de autoconhecimento do protagonista.
Talvez alguns critiquem a presença da narradora moçambicana, que toma as rédeas da história e esmiúça cada detalhe. No entanto, além de dar ares épicos, é a voz da personagem (que mais tarde aparece como chefe de um grupo de traficantes de pedras preciosas), ao longo de toda a história, que tem a função de refletir junto com o espectador sobre a busca e não dar brechas para o que se deseja contar.
Ainda que os simbolismos e as metáforas de “Um Animal Amarelo” sejam muitos, e a todo tempo, o fato é que são óbvios em sua maioria. Fernando carrega consigo um osso que herdou de seu avô. Seu avô era fazendeiro e o osso simboliza o passado escravagista que todo brasileiro branco carrega consigo, assim como o animal do título pode ser entendido como o passado que assombra o protagonista em sua busca por entender quem ele é.
A jornada de Fernando se confunde com a do próprio Brasil. Dizeres sobre o passado de trevas e a forma irregular com que se busca compreendê-lo para seguir adiante ocorrem a todo tempo, de forma direta ou não. “O Brasil está mais triste”, diz a personagem, enquanto se houve a voz de Bolsonaro dizendo “deus acima de todos”. O filme não esconde que o atual momento é de retrocesso, e reflete sobre a produção artística e a importância de se (não) fazer cinema, especialmente quando se é um homem branco “cagão”.
Há metalinguagem quando se discute o projeto de filme do protagonista (que é este que estamos vendo), mas há cenas esteticamente belas que nos fazem respirar. Quando a personagem portuguesa canta em um quarto, sentada em uma bacia no chão, temos a epítome da beleza fílmica de “Um Animal Amarelo”. Daquelas que podem entrar para a história do cinema brasileiro.
“Um Animal Amarelo” reflete sobre muita coisa, e por isso poderia se perder no debate, mas é na forma lúdica e louca que o filme perde a necessidade de explicar tudo ou fazer sentido.
No final, talvez seja isso mesmo: nosso país não faz sentido e fazer cinema também não. Mas o que seríamos sem esse país que temos? Quem seríamos sem esse cinema que nos é possível? Que bom que o temos. Às vezes, não encontramos todas as respostas, mas ao menos seguimos adiante nessa busca, fazendo perguntas.
“Um Animal Amarelo” é a arte que precisamos nestes tempos.
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