As Trilhas de Ennio Morricone
Uma singela homenagem, ainda que tardia, a vida e obra de Ennio Morricone, um gênio da música!
Ennio Morricone nos deixou no dia 06/07/2020. O maestro tinha 91 anos, e morreu após complicações de acidente que teve em sua casa e quebrar o fêmur. Em 59 anos de carreira, Ennio Morricone produziu mais de 500 trilhas, sendo que seu último trabalho é para o filme The Canterville Ghost, animação do estreante Kim Burdon e tem a dublagem de Freddie Highmore e Hugh Laurie. O filme ainda está em fase de pré-produção, ou seja, não temos como saber como ficará o trabalho do maestro na animação. Mas uma coisa fica clara, Ennio Morricone trabalhou até o fim.
E para celebrar a vida e obra do mestre vamos relembrar suas mais memoráveis trilhas! Venha comigo nessa viagem musical e cinematográfica! E já prometo para vocês esse será o primeiro de uma série de textos homenageando os grandes compositores do cinema!
O Facista (1961)
Pra começar vamos ao início. O Facista foi o primeiro trabalho de Ennio Morricone nos cinemas. Embora, em 1960 ele tenha trabalhado no filme A Morte de um Amigo, ali seu trabalho não foi creditado. Seu primeiro crédito vem nessa comédia de Luciano Salce. No filme conhecemos Primo Arcovazzi, um membro fanático da organização fascista, que é encarregado de levar o oponente ao regime, o professor George Wilson, de Abruzzo para Roma. Ele aceitou a tarefa devido a seu desejo de ser promovido a “Federale”. Eles viajam por uma estrada da Itália, entre bombardeios. No entanto, acabam criando uma certa amizade.
Embora o filme seja um tanto quanto desconhecido, com certeza você conhece a trilha sonora. É impossível não reconhecê-la e ligá-la ao mestre Ennio Morricone. Em seus primeiros acordes já percebemos sua assinatura. Ouça abaixo:
Trilogia dos Dólares: Por um Punhado de Dólares (1964), Por uns Dólares a Mais (1965) e Três Homens em Conflito (1966)
De 1961 vamos para 1964, quando surgiu uma das parcerias mais emblemáticas no cinema Sergio Leone e Ennio Morricone, parceria essa que irá se repetir nessa lista. A Trilogia dos Dólares, ou Trilogia do Homem Sem Nome, são três filmes do chamado western spaghetti, que lançaram para o mundo três ícones do cinema: Sergio Leone, Clint Eastwood e Ennio Morricone, que embora já tinham uma carreira de alguns anos, foi apenas com esse trilogia que o trio se tornou conhecido mundialmente.
A trilogia é composta pelos filmes Por Um Punhado de Dólares, Por Uns Dólares a Mais e Três Homens em Conlito, lançados entre 1964 e 1966. No primeiro filme, Por Um Punhado de Dólares, um pistoleiro sem nome chega a San Miguel, uma cidade mexicana próxima a fronteira com os EUA. A cidade é dividida por duas gangues rivais, os Rojos, contrabandistas de bebidas, e os Baxters, de armas. Com apoio do velho Silvanito, ele se aproveita desta rivalidade para enriquecer, atuando para os dois grupos, ao mesmo tempo em que procura ajudar Marisol, forçada a ser amante de Ramón Rojo.
Ouça a trilha abaixo. A trilha sonora dessa trilogia é conhecida pelos assobios durante a música.
O segundo filme, Por Uns Dólares a Mais, é ambientado no Novo México e Texas, o filme trata de dois caçadores de recompensas, Manco e Mortimer, que acabam por disputar a mesma recompensa: El Indio. Este foi resgatado da prisão, cuja captura foi fixada em dez mil dólares – vivo ou morto, e planeja assaltar o banco de El Paso. Apesar da rivalidade, os caçadores decidem unir forças e se infiltrar no bando de El Indio para conseguirem seu intento.
Abaixo mais um clássico do mestre.
O terceiro filme da trilogia, Três Homens em Conflito, é talvez o mais famoso dos três. O filme se passa durante a Guerra Civil Americana. E mostra o conflito de um pistoleiro misterioso e dois estrangeiros que decidem juntar suas forças para encontrar um tesouro escondido. Cada um dos homens conhece apenas uma parte da localização da fortuna, o que força essa parceria. O problema é que nenhum deles tem a intenção de dividir a riqueza.
Além de ser o filme mais famoso da trilogia, o filme também possui a trilha sonora mais famosa dos três, e talvez de todos os filmes de western. Ouça abaixo, tenho certeza que você já ouviu.
Era Uma Vez no Oeste (1968)
Agora na lista um clássico. Na minha opinião um filme impecável e indispensável para qualquer cinéfilo. Uma aula de cinema e de música com os mestres Sergio Leone e Ennio Morricone. Era Uma Vez no Oeste é sem dúvida uma obra prima. E sua trilha na minha opinião é a mais bela, mais bem feita, a melhor do cinema e também minha favorita. O filme é um marco em vários sentidos. Ele merece um texto só pra ele, quem sabe em breve?
Mas voltando ao filme, Era Uma Vez no Oeste conta a história de uma prostituta que fica viúva ao ter seu marido assassinado junto todos os filhos são brutalmente assassinados por um matador profissional. Tudo porque as terras que possuía seria futuramente a rota da estrada de ferro. Só que ninguém sabia do casamento do falecido com a mulher, que passa ser a dona do local e recebe a proteção de um hábil atirador, que tem contas a ajustar com o frio matador.
Com atuações impecáveis, o filme tem na minha humilde opinião o melhor trabalho de Ennio Marricone, em especial duas músicas que você pode ouvir abaixo.
Na verdade faz o seguinte, é melhor, ouçam a trilha sonora completa, vale a pena demais!
Os Violentos Vão Para o Inferno (1968)
Mais uma obra prima de 1968. Dessa vez uma parceria histórica entre Ennio Morricone e Sergio Corbucci em um clássico do western spaghetti estrelado por Franco Nero e Jack Palance, Os Violentos vão para o Inferno. No filme vemos associações e desavenças entre Sergei Kowalski, o Polaco, e o mexicano revolucionário Pacon Roman na luta contra o latifundiário Garcia e o mercenário Curly, em defesa dos oprimidos, no México, de 1917.
Na trilha vemos a volta do assobio usado na Trilogia dos Dólares. Essa trilha inclusive deve ser uma das mais conhecidas pelo grande público, afinal ela foi usada na cena em que a Noiva sai da cova em Kill Bill Vol II. Só por isso nos mostra o quão marcante é essa trilha.
E abaixo a cena de Kill Bill: Vol. 2.
Quando Explode a Vingança (1971)
Novamente a parceria que deu certo Sérgio Leone e Ennio Morricone, dessa vez na segunda parte da Trilogia Era Uma vez …, composta pelos filmes Era Uma Vez no Oeste, Quando Explode a Vingança e Era Uma Vez na América. Esse segundo filme, conta a história de dois homens, do bandido mexicano Juan Miranda e o revolucionário irlandês Sean Mallory, que se encontram durante a turbulenta Revolução Mexicana. Juan, ao descobrir que Sean é um perito em explosivos, tenta convencê-lo a usar seus conhecimentos num roubo a um grande banco em Mesa Verde. O irlandês, no entanto, atormentado pelo passado, passa a se interessar cada vez mais pela causa dos revolucionários mexicanos.
Novamente uma trilha que cai como uma luva e perfeitamente em mais uma obra prima de Ennio Morricone e Sergio Leone. Ah, e aqui o assobio volta! Diferente das trilhas abordadas aqui essa trilha é leve e tem vocalizações que deixam ela ainda mais maravilhosa! Confira.
Cinzas no Paraíso (1978)
Terrence Malick foi mais um que teve a honra de trabalhar com o mestre Morricone. Em 1978, o maestro fez a trilha sonora para o clássico Cinzas no Paraíso, com Richard Gere. Passado no início do século XX, o filme conta a história de Bill e Abby, que formam um jovem casal que vive e trabalha em Chicago. Em companhia de uma outra garota vão parar em uma fazenda no Texas, onde o proprietário se apaixona por Abby. Ao descobrir que o homem está gravemente enfermo e tem pouco tempo de vida, o casal passa a considerar a proposta, de olho nos futuros benefícios. O fazendeiro, no entanto, não morre e a situação começa a fugir do controle.
Em uma trilha que mistura orgão, piano e cordas, a trilha é uma viagem musical e melancólica, assim como o filme.
Era uma Vez na América (1984)
Mais uma vez a parceria Leone e Morricone, em uma obra complicada, criticada na época e cultuada hoje em dia. Era uma Vez na América encerra a trilogia Era uma Vez… e também a carreira de Sergio Leone, falecido 5 anos após o lançamento desse filme. Era uma Vez na América conta a história de um grupo de amigos de ascendência judaica que crescem juntos cometendo pequenos crimes nas ruas do Lower East Side, em Nova Iorque. Aos poucos, estes crimes vão assumindo maiores proporções e os amigos se tornam respeitáveis mafiosos. O entrelaçamento de companheirismo, ambição e traição leva a uma reviravolta na história, e, 35 anos depois, o único sobrevivente do grupo volta ao bairro para descobrir o que realmente aconteceu.
Com Robert De Niro e Joe Pesci no elenco, Era uma Vez na América é um filme que foi muito injustiçado, teve muitos cortes e diversas versões, hoje é lembrado principalmente pela tralha maravilhosa do mestre Ennio Morricone.
A Missão (1986)
Dois anos depois Ennio Morricone se juntou ao britânico Roland Joffé e compôs uma das mais belas trilhas do cinema, a trilha do filme A Missão, com Robert De Niro e Jeremy Irons. No filme vemos a história de Rodrigo Mendoza, um mercador de escravos espanhol que faz da violência seu modo de vida, mata o próprio irmão na disputa pela mulher que ama. Porém, o remorso leva-o a juntar-se aos jesuítas, nas florestas brasileiras. Lá, ele fará de tudo para defender os índios que antes escravizara.
A trilha de A Missão é uma das mais celebradas, amadas e lindas trilhas sonoras criadas por Ennio Morricone. Uma das principais características dessa trilha, é a fusão da melodia com a dramaticidade das cenas, fazendo do filme e da trilha uma verdadeira ópera moderna. E aí vemos talvez uma das maiores injustiças do Oscar com Ennio. Ele perdeu o Oscar para o filme Por Volta da Meia-Noite, mas 34 anos depois a trilha composta por Herbie Hancock nem sequer é lembrada, mas A Missão ficou para posteridade.
Os Intocáveis (1987)
Clássico dirigido por Brian de Palma, Os Intocáveis, é outro filme que contou com a genialidade de Ennio Morricone. Um dos filmes de gângsters mais famoso e amado da história do cinema, esse filme não seria o mesmo sem a genialidade de Ennio. Baseado numa história incrivelmente real, o filme se passa na Chicago dos anos 30 onde o jovem agente federal Eliot Ness (Kevin Costner) tenta acabar com o reinado de terror e corrupção instaurado pelo gângster Al Capone (Robert De Niro). Para isso, ele recruta um pequeno time de corajosos e incorruptíveis homens e conta com a ajuda do experiente policial Jim Malone (Sean Connery).
O filme que deu o Oscar de Melhor Ator Coadjuvante para Sean Connery, é sempre lembrado pela famosa cena da escada que não seria nada sem a trilha de Ennio Morricone. Mas pra que falar? Vamos ver, porque dizem que uma imagem vale mais do que mil palavras. Veja abaixo a cena da escada, e veja se a trilha não tem um papel importantíssimo na cena?
E para conferir a trilha confira abaixo e se deleite com essa obra magnífica do Mestre!
Cinema Paradiso (1988)
Um dos maiores clássicos da carreira de Ennio Morricone vem desse filme obrigatório para todo cinéfilo, o italiano Cinema Paradiso. Ganhador do Oscar de Melhor Filme Internacional e dirigido por Giuseppe Tornatore, o filme é uma verdadeira carta de amor para o cinema! O filme conta a história do garoto Toto que ficou hipnotizado pelo cinema local e iniciou uma amizade com Alfredo, projecionista que se irritava com certa facilidade, mas tinha um enorme coração. Todos estes acontecimentos chegam em forma de lembrança quando Toto, agora um um cineasta de sucesso, recebe a notícia de que Alfredo faleceu.
O filme é uma obra prima italiana que emociona qualquer fã do cinema, e muito devido a trilha sonora espetacular de Ennio Morricone que consegue, com sua trilha sonora, transformar um simples filme de amizade em uma obra inesquecível, atemporal e emocionante. Duvida? Ouça abaixo uma das faixas da trilha espetacular!
Os Oito Odiados (2015)
Depois de Cinema Paradiso, Ennio Morricone continuou na ativa. Ele participou da trilha sonora de vários filmes como Pecados de Guerra, Bugsy, Assédio Sexual, Malena e Missão Marte, e embora as suas trilhas mantivessem um alto nível de qualidade, em especial nesse último filme onde a única coisa que funciona é a sua trilha, a verdade é que suas trilhas não tinham mais a inspiração que ele atingiu seu clímax em Cinema Paradiso. Até que em 2015 Quentin Tarantino chamou o maestro para fazer a trilha sonora de seu filme Os Oito Odiados. Era o retorno de Ennio Morricone ao gênero que o consagrou, o faroeste.
No filme durante uma nevasca, o carrasco John Ruth está transportando uma prisioneira, a famosa Daisy Domergue, que ele espera trocar por grande quantia de dinheiro. No caminho, os viajantes aceitam transportar o caçador de recompensas Marquis Warren, que está de olho em outro tesouro, e o xerife Chris Mannix , prestes a ser empossado em sua cidade. Como as condições climáticas pioram, eles buscam abrigo no Armazém da Minnie, onde quatro outros desconhecidos estão abrigados. Aos poucos, os oito viajantes no local começam a descobrir os segredos sangrentos uns dos outros, levando a um inevitável confronto entre eles.
Pode ser que essa não seja a melhor trilha de Ennio Morricone, mas aqui ele se mostra totalmente em forma em uma trilha sonora poderosa de encher os ouvidos. É como se o maestro pegasse tudo que deu certo nas suas trilhas e colocasse nessa composição, e o que vemos é umas das melhores trilhas premiadas com o Oscar na década de 2010. O Oscar veio tardio, mas ainda bem que veio e a Academia pode dar a Ennio Morricone um Oscar em vida. Um Oscar legítimo né, porque antes ele já havia ganho um Oscar honorário em 2007.
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Então é isso galera, uma viagem musical pela obra de Ennio Morricone. Um grande maestro que nos deixou a quase dois meses e que estará sempre em nossa memória! Suas trilhas ficarão para eternidade!
E fiquem ligados, na próxima vez viajaremos pelas trilha sonora do grande mas pouco lembrado James Horner. Até lá!
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Para ouvir mais das trilhas de Ennio Morricone e conhecer seu trabalho espetacular acesse o Canal Oficial do maestro no Youtube.