A indústria começa a se preparar para o mercado híbrido
Recentemente tivemos algumas notícias referentes à diminuição de tempo entre um título ser lançado nas salas de cinemas e nas plataformas de “streaming”. Por uma prática patriarcal e conservadora do mercado, a distância entre os dois lançamentos vinha para prevenir a evasão de bilheterias, protegendo o conteúdo de uma suposta preferência pelo “streaming”.
No entanto, os modos de ver e consumir filmes começaram a mudar no início da década de 2010. Com ofertas cada vez maiores de obras financiadas pela Netflix, Amazon e outras gigantes desse novo mercado, a plataforma online passou a chamar atenção de quem busca por novidades.
O tamanho sucesso da empreitada fez com que países começassem a levar o mercado mais a sério, exigindo contribuições para suas indústrias cinematográficas e uma maior possibilidade de receitas de exploração comercial além de, claro, maior liberdade narrativa e diversidade de conteúdo nessas plataformas.
A exemplo disso, podemos citar os Estados Unidos, que formou uma indústria extremamente sólida há mais de 100 anos com base em uma clara legislação que beneficiava o produto nacional, e ele certamente não fica atrás agora.
Devido à pandemia do Covid-19 e à impossibilidade de seguir com uma agenda de grandes exibições nas salas de cinema do país, os Estados Unidos começam a abrir brechas nos seus entendimentos de mercado para permitir que os lançamentos do cinema estejam disponíveis também no “streaming” no mesmo mês de estreia.
A atualização desse status dá o sinal verde para que o mercado, em sua totalidade, comece a estudar os benefícios de se investir em um modelo híbrido, sem grandes imposições da sala de cinema e dando maiores possibilidades de comercialização do produto. Mas, apesar de ser algo extremamente vantajoso, é importante termos atenção que ele só é possível com regulação de mercado.
Diferente do que a opinião pública mais geral e alheia a qualquer prática de mercado pode pensar, o crescimento do setor audiovisual só será saudável a partir de imposições de obrigações tributárias para esses players. Se, para os Estados Unidos (que a esta altura do campeonato nem precisaria mais se preocupar com essa questão), isso ainda é uma procedência válida, por que para o exterior a ideia precisa ser posta de escanteio?
O início do mercado híbrido nos Estados Unidos já não é uma novidade exclusiva. Países europeus que regularam o “streaming”, como a Itália, já entenderam também que não é mais benéfico manter uma janela tão distante entre o cinema e a plataforma digital.
Após os entendimentos do parlamento europeu em exigir 30% de espaço nas plataformas de “streaming” e cotas semelhantes de investimentos no audiovisual local de países membros, a Itália reduziu o hiato de 105 dias para 60 dias para filmes que estejam sendo exibidos em menos de 80 salas do país.
Essa medida, ainda que não totalmente ideal, beneficia filmes de baixo orçamento, impulsionando a produção independente. Com a regularização das medidas em 2018/19 e o início da vigência agora em 2020, pode ser que o cenário italiano ainda mude muito nos próximos anos.
Diferente do que o “bait” neoliberal possa transparecer, regularizar não mina oportunidades de investimento. Pelo contrário: permite que esses players possam encontrar projetos com mais facilidade, ampliando suas relações com produtoras locais e permitindo que o mercado desse determinado país consiga se tornar competitivo com suas políticas externas.
É importante também destacar que com ou sem imposições tributárias, a plataforma não irá investir no que ela não acredita, ou seja, não existe “censura” e tampouco “obrigação”, o que existe é a valorização de uma classe trabalhadora e de um setor estratégico para economia de qualquer país, e isso é apenas possível através de reservas de espaço.
Há muito se fala que o audiovisual é a indústria do futuro. A Coreia do Sul entendeu isso ainda em 1994 e, em menos de 30 anos, viu seu mercado expandir a ponto de ganhar os principais prêmios do Oscar.
Conforme caminhamos com os avanços tecnológicos e nos deparamos com novas gerações, a premissa se faz verdadeira, se faz presente e já mostra o quanto a falta de entendimento de política pública pode afundar com todo um setor que, bem ou mal, também contribui para outras cadeias importantes da economia.
Apostar no mercado híbrido não é acabar com as salas de cinema e o sentimento do espectador: é investir na propagação cada vez maior do conteúdo, na manutenção da cultura e na educação de quem pode ter o privilégio de crescer se vendo na tela.