A Netflix não vai democratizar o cinema e você já deveria saber disso
Recentemente, uma imagem repercutiu nas redes sociais, especialmente no Twitter. É uma ilustração que traz dados sobre a porcentagem das datas de lançamento do conteúdo disponível em cinco dos principais serviços de streaming americanos: Netflix, Hulu, Prime Video, Disney+ e HBO Max. As informações contidas no infográfico nos permitem chegar a diversas conclusões a respeito dos serviços de streaming e do acesso aos filmes que temos no momento.
A primeira – e óbvia – é de que há muito mais filmes recentes do que antigos. Quanto mais antigos os filmes, maiores as chances de que eles não estejam disponíveis nas plataformas. Por um lado, sabemos que com o passar do tempo os filmes medianos e pouco importantes tendem a desaparecer, deixando na memória do cinema apenas aqueles que fizeram história. Há de se destacar, também, que a maioria das pessoas procura por filmes e séries lançados há pouco tempo, seja porque muitos estão assistindo e recomendando, seja porque buscam por alguma novidade.
A segunda conclusão a que chegamos é de que os serviços de streaming não são um repositório infinito de produções (mesmo que tenhamos essa sensação quando demoramos para escolher o que assistir diante de tantas opções). Um filme, por mais antigo que seja, tem custos de aquisição e até mesmo de manutenção no streaming, já que ocupa algum espaço nos servidores. Isso torna sua presença mais difícil nas plataformas, já que estas preferem ocupar espaços com filmes mais procurados.
A divulgação do infográfico gerou debate em muitas pessoas acerca da necessidade de se assistir clássicos e da falácia em achar que o streaming veio para democratizar o acesso ao cinema.
Nada de novo no front
Tente relembrar (se você tiver idade para isso) como era nos tempos das locadoras de VHS ou DVD: você encontrava filmes clássicos na mesma quantidade que os últimos lançamentos? Eles estavam disponíveis com o mesmo destaque que os filmes mais recentes? Provavelmente não, salvo algumas exceções de locadoras de bairro comandadas por cinéfilos.
Aliás, eram esses cinéfilos donos de locadoras que faziam o papel que hoje cabe a influenciadores: críticos, podcasters, youtubers e outros produtores de conteúdo que podem ajudar a indicar filmes clássicos e importantes ao público.
O fato é que não há nenhuma novidade na preferência do público por conteúdo novo. Isso sempre ocorreu e dificilmente vai mudar.
Mais importante do que ter essa realidade em mente é compreender que todos estes serviços, da HBO à Netflix, são promovidos por corporações que buscam a atenção e o dinheiro do público. E por mais que a cinefilia ande de mãos dadas com os clássicos, não serão os grandes serviços de streaming que irão levar obras de Sergio Leone, Akira Kurosawa ou Sergei Eisenstein para o grande público.
A quem cabe esse papel?
Conhecer filmes clássicos é fundamental para entender o cinema de forma eficaz e se aprofundar não apenas na sétima arte como também na História como um todo: cada obra cinematográfica ajuda a compreender um período histórico ou um sentimento importante do tempo em que ele foi criado.
Há aqueles apaixonados pelo cinema clássico que vão ver de tudo um pouco e aprofundar-se nas técnicas e idiossincrasias de cada cineasta ou movimento artístico. O estudo do cinema no meio acadêmico certamente tem o papel de agregar todos esses conhecimentos.
Cabe aos especialistas, aos serviços de streaming de nicho (como o MUBI, Belas Artes à la Carte, Spcine Play) e aos centros culturais levar os filmes clássicos ao público, educando as pessoas e ensinando-as a valorizarem do cinema para além do simples consumo de entretenimento.
Esse papel nunca foi da Netflix. Seria ótimo se ela fizesse, mas é melhor não contar com isso.
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