Crítica: Stateless (Estado Zero) – Netflix (2020)
A minissérie australiana Stateless (Estado Zero), idealizada por Cate Blanchett, é a mais nova produção da Netflix. Repleta de críticas, a série propõe uma reflexão sobre um grande problema global: a crise migratória e os refugiados detidos em campos de detenção (você também pode chamá-los de campos de concentração).
Blanchett ao lado de Tony Ayres e Elise McCredie se inspiraram na história real de Cornelia Rau, uma alemã com residência permanente na Austrália que foi detida ilegalmente, no ano de 2004, em um campo de detenção de imigrantes ilegais.
Cornelia Rau é só o ponto de partida para os criadores produzirem uma minissérie de seis episódios, tendo como personagem principal Sofie Werner, interpretada por Yvonne Strahovski (The Handmaid’s Tale), uma aeromoça australiana que precisa lidar com as constantes pressões familiares.
Buscando encontrar um propósito de vida, ela começa a frequentar um culto de autoajuda, liderado por Gordon Masters (Dominic West) e Pet Masters (Cate Blanchett). Contudo, um acontecimento faz com que Sofie fuja e acabe em um centro de detenção de imigrantes, situado no meio do deserto australiano.
Paralelamente a série apresenta ao espectador outras narrativas que aos poucos vão se cruzando. A primeira se trata de Ameer (Fayssal Bazzi), um refugiado afegão que, junto de sua esposa e filhas buscam melhores condições de vida em território australiano. Em seguida, conhecemos a vida de Cam Sandford (Jai Courtney), um australiano pai de família, o qual consegue um emprego como segurança dentro do campo de detenção. O último arco da narrativa é da personagem Clare Kowitz (Asher Keddie), uma burocrata que assume a missão de administrar o campo de detenção.
Os pontos positivos
Esse talvez seja o principal acerto da série. Apresentar um problema por óticas e situações diferentes. Aos poucos as quatro tramas se fundem e todos se tornam vítimas de um sistema cruel de imigração. Cada um lutando por seus ideais, quase sempre um oposto ao do outro. Stateless consegue transpassar a ficção, e narra de forma real a situação de centenas de milhares de famílias que abandonam seus países fugindo de guerras e estados totalitários, em busca de esperança e um recomeço. Contudo o pesadelo nunca termina quando são levadas aos centros de detenções, onde muitos passam anos esperando a aprovação do visto.
Stateless, que em português se chama Estado Zero (o que não faz o menor sentido), discute como o poder do Estado é falho, abusivo e opressivo. A série procura explorar os pré-conceitos estabelecidos em relação aos imigrantes, com ênfase nos de origem árabe. Os quais são taxados de perigosos e mal interpretados.
Além disso, o seriado trata da falta de humanidade no tratamento com os refugiados. O ponto de partida para essa desumanização está logo na chegada dos refugiados aos campos de detenção. Local onde são identificados por números e não por seus nomes. Suas vidas e histórias são quase que completamente ignoradas pela burocracia do Estado.
A minissérie australiana consegue em apenas seis episódios desenvolver bem seus personagens e tramas. É fato que o espectador logo se simpatiza com os refugiados, e tende a colocar os agentes do Estado como os vilões da história. Entretanto a série procura mostrar as visões diferentes da narrativa. Sempre colocando a prova os códigos de ética e valores de cada um. Principalmente dos subordinados do Estado, responsáveis por administrar o campo de detenção.
É fácil pensar: “Se eu fosse um dos seguranças daquele lugar eu denunciaria os maus tratos! ”. Mas esquecemos de observar os motivos que fazem aqueles cidadãos se prenderem ao sistema.
Obviamente a série também apresenta os funcionários que partilham do pensamento xenofóbico e utilizam de suas reduzidas concepções de mundo para subjugar aqueles que buscam proteção e ajuda. Ou seja, a minissérie explora os destoantes. Enquanto alguns desejam liberdade pessoal outros buscam estabilidade e proteção.
Os pontos negativos
Tenho poucos pontos a citar nesse aspecto. Já que, os arcos dos personagens se fecham de forma plausível, sem fugir da realidade. Com exceção da narrativa de Sofie, a qual é tratada como personagem principal, mas acaba muitas vezes ficando em segundo plano. O que não me incomoda, pois, as histórias dos refugiados são mais interessantes. Assim como, as tramas dos agentes do Estado Cam Sandford e Clare Kowitz, com os seus conflitos internos em relação ao tratamento dado aos refugiados.
A conclusão é que, a personagem acaba sendo um fio condutor de toda a série. Como se fosse a partir dela que descobríssemos o problema dentro dos campos de detenção. Contudo, a série toda é baseada no mistério de como Sofie foi parar naquele local. Nos instigando a querer descobrir o desfecho de sua história. Mas seu arco vai ficando arrastada, com uma resolução rápida no último episódio. E provavelmente a não conclusão do conflito com o grupo de autoajuda cause insatisfação por parte do público.
Em suma, a série é bem produzida em sua concepção e desenvolvimento, sem grandes pontas soltas. Stateless é uma ótima reflexão sobre um tema urgente que ficou em segundo plano com a pandemia do coronavírus. A fotografia abusa dos ângulos close-up para criar as boas cenas dramáticas. Mas isso só é possível graças ao bom elenco, o qual entrega ótimas atuações de modo geral.
Com destaque para Yvonne Strahovski, que constrói bem seu personagem. Uma mulher que procura lidar com os conflitos familiares, e busca nas viagens fugir de sua realidade. Quando enfim encontra um lugar para lhe ajudar, acaba sendo vítima (Quem assistiu saberá do que estou me referindo). É possível fazer um paralelo chulo com a vida dos refugiados, os quais fogem de suas realidades para um local onde acreditam que terão proteção, mas continuam sendo vítimas. Perdoe-me a comparação, mas talvez seja esse ponto que a série tenta chegar em alguns momentos em que Sofie conversa com alguns refugiados, que expõe a controvérsia: enquanto ela quer sair de sua boa vida, sua liberdade, outros só querem uma vida estável. Apesar das comparações, o drama dos refugiados não chega aos pés dos nossos problemas diários. Vale a pena assistir Stateless.