O futuro da meia-entrada pode estar ameaçado
A polêmica em torno da meia-entrada dos cinemas já é um velho conhecido do público geral. Com o avanço do governo mais liberal, a discussão sobre um possível fim dessa demanda vem sendo mais real do que gostaríamos.
Uma das principais justificativas parte do próprio setor audiovisual. Exibidores e distribuidores reclamam que as despesas geradas pelas regulações que precisam seguir acabam sendo maiores que a receita de bilheteria dos filmes pela grande oferta da meia-entrada.
A justificativa é um tanto plausível, visto que fazer cinema é caro e temos uma grande burocracia por trás do nosso ambiente regulatório atual, mas chamo a atenção para a utopia: seria de fato vantajoso cobrar um preço único nos cinemas?
Olhando por um viés mais democrático, sem dúvidas. Entretanto, ao entrar nesse debate e escolher um lado para defender, precisamos nos lembrar que o valor dos filmes estrangeiros não irá diminuir para serem exibidos no Brasil, tampouco exibidores do grande circuito irão reduzir as entradas por conta da alta demanda — ainda que expressem o desejo pelo contrário.
Com o avanço da pandemia do Covid-19 e a triste situação dos exibidores brasileiros, muito vem sendo rumorado de que este setor deseja pedir para que o governo suspenda a Lei de Cota de Tela para o resto de 2020, tudo para não ter que reservar uma sala ou horário para o filme brasileiro e correr risco de perder receita. Isso, a meu ver, é bem pouco democrático.
Lideranças desses mercados trouxeram um preço mais acessível, fixado em R$ 15,00 para todos os públicos: um orçamento bastante ilusório e que não vai pagar os filmes em exibição.
Isso seria um atestado de inoperância do produto brasileiro nas salas de cinema, uma vez que precisamos lidar com uma sociedade que não reconhece a sua própria indústria e trata os títulos nacionais como um gênero a mais. Para que possamos ter filmes com sucesso de bilheteria a um preço uniforme, temos que investir na educação cinematográfica desse público.
Então, qual o futuro das nossas obras se isso for para frente? Se você for pensar mercadologicamente, vai descobrir que a nossa cultura de assistir televisão gerou uma demanda alta para a TV Paga posteriormente, e que atualmente é a nossa mina de ouro.
O sucesso da Cota de Tela para TV por assinatura mostra que o público procuraria muito mais pelos nossos filmes nas plataformas de streaming do que nas salas de cinema, principalmente pelo fato dela estar se tornando um ambiente reservado para os filmes de grandes franquias.
Apesar de concordar, ainda me mantenho na defesa do filme nacional ter o seu direito de estrear para o grande público, mas isso não quer dizer que ele deve ficar engessado na obrigatoriedade de lançamento nas salas de cinema como hoje manda a Ancine.
No entanto, para que essa realidade possa ser mudada, acabar com a meia-entrada não é a solução. Somos um país cuja política audiovisual ainda é paternalista e de sobrevivência, e o mercado já aponta para um novo horizonte.
O sucesso dos filmes brasileiros nas salas de cinema e nas plataformas de streaming só se dará com a criação de uma política de exportação, a exemplo do que a Coreia do Sul vem desempenhando muito bem nos últimos anos, “Parasita” não nos deixa mentir.
Para que isso seja possível, ambientes regulatórios precisam ser respeitados e as despesas tributárias precisam surgir como um investimento na base dessa cadeia produtiva: o público brasileiro. Posso estar sonhando demais para o momento caótico que vive o cinema nacional, mas certa de que nenhum mercado cinematográfico sobreviverá com pouca ou nula regulação. A Europa que o diga.