O Oscar e as coisas de sempre e alguns pingos nos is
E aí saiu a lista de indicados ao Oscar e é meio que sempre a mesma coisa: esqueceram do fulano, como que o filme X não está lá, esnobaram sicrano e falta diversidade porque a Academia é dominada por um bando de velhos brancos.
Sim, a gente sabe disso.
Já tem um monte de análise sobre os indicados, comemorações sobre o documentário brasileiro (falarei sobre isso mais abaixo) e vários comentários acerca de vários assuntos. Por isso, gostaria de apontar algumas questões importantes, especialmente para mantermos o debate aceso.
O Oscar não devia ser tão importante assim…
Esse debate é longo e cansativo. É claro que há premiações em inúmeros países e locais, bem como festivais e muitos espaços de enaltecimento do cinema. Ainda que seja importante que a gente pare de dar uma importância exagerada ao Oscar, o fato é que ele continua sendo importante. Portanto, discutir os filmes indicados e criticar as questões relacionadas à diversidade, por exemplo, são ações importantes como maneira de se falar sobre estes assuntos, assim como entender a importância de o Brasil estar presente de alguma forma com algum filme na premiação. Muita gente o compara com a Copa do Mundo: entender e combater os problemas da instituição não te impede de aproveitar a festa e comemorar as vitórias do seu país (sem virar um baba ovo). Mesmo assim, quem opta por boicotar está em seu direito.
A Lupita não foi indicada porque não teve campanha, porque o filme “já passou”, ou porque a Academia indica “uma atriz negra por vez”?
Neste ano, a atriz negra indicada ao Oscar é Cinthya Erivo, que fez Harriet Trubman no filme “Harriet”, ainda inédito no Brasil. De fato, fica parecendo que a Academia indica atrizes negras apenas como forma de evitar maiores manifestações como foi com o “#Oscarssowhite”, e é indiscutível que há um racismo estrutural quando se observa a preferência por atrizes e atores negros que vivem papéis que reforcem estereótipos (Lupita ganhou o Oscar por interpretar uma escrava, Mahershala por ser um traficante, Octavia Spencer, uma empregada). Portanto, uma coisa não anula a outra: a pouca (ou nenhuma) campanha do filme “Nós” para o Oscar certamente ajudou a fazer com que a atriz não tenha sido indicada (por um papel que independe de cor), mas isso não redime a Academia de críticas por se manter como uma premiação predominantemente branca.
Em tempo: a expressão “A Academia” é meio estranha. Afinal, trata-se de um grupo heterogêneo de profissionais do cinema que votam em uma grande eleição. A grande questão é que, considerando os indicados e vitoriosos, podemos ver que há diversas tendências que certamente representam uma boa maioria.
Precisa de mais mulher dirigindo pra ter mais indicações, ou de mais indicações para ter mais mulher dirigindo?
É como na regra da bolacha (ou biscoito): vende mais porque está fresquinho e está fresquinho porque vende mais. Cada vez mais, torna-se fundamental ter filmes dirigidos e produzidos e roteirizados por mulheres, negras e negros, latinas e latinos, asiáticas e asiáticos, etc. Esse caminho deve ser feito em duas vias: Hollywood precisa de maior quantidade de produções assim para que isso seja visto como reflexo nas premiações, mas o caminho oposto também é importante: premiar mais para que estes sejam representados. E não dá pra dizer que não tem obras boas o suficiente para serem indicadas. Vale lembrar que Marielle Heller dirigiu “Poderia Me Perdoar?” no ano passado e seu filme teve apenas indicações de atuação e roteiro. Desta vez, a mesma cineasta lança “Um Lindo Dia na Vizinhança” e apenas seu protagonista Tom Hanks ganha uma indicação. Isso sem falar de “Nós”, filme de um diretor negro, e dos filmes de 2019 com diretoras, como The Farewell, Honeyboy e As Golpistas, por exemplo.
Isso significa que o Oscar reflete e impulsiona mudanças ao mesmo tempo. O que nos leva ao próximo tópico.
Se tem campanha ou se for pra premiar mais minorias, isso significa que não ganha o “melhor”?
Primeiramente, precisamos acabar com uma falácia: não existe o melhor. Não só entre filmes, mas em tudo. Afinal, se um filme é melhor para uns, ele pode não ser melhor para outros. No ano passado, Green Book levou o prêmio de Melhor Filme, e poucos o veem como melhor do que A Favorita ou Roma, mas entre estes últimos, qual merece mais?
Apenas para estender o debate: será que o “melhor” profissional de uma turma de faculdade será o que passou em primeiro no vestibular? E o que é ser o melhor profissional? A melhor advogada é aquela que defende os que precisam ou a que conhece mais de leis? A melhor médica é aquela que indica o tratamento mais certeiro ou a que olha os pacientes com mais carinho?
Dito isso, voltemos aos filmes. Note que os festivais de cinema costumam ter recortes. Cannes premia filmes que falam de assuntos urgentes para o mundo de hoje, ou seja, não basta que Parasita seja um filme tecnicamente excelente: ele ganhou a Palma de Ouro também por falar sobre disparidades sociais de maneira profunda. O mesmo com A Vida Invisível e Bacurau, que ganharam outros prêmios por serem ótimos filmes com temáticas importantes. Isso acontece porque os festivais possuem recortes e selecionam filmes com base no que eles representam.
A mesma coisa ocorre com o Oscar, com a diferença que ele não é um festival, mas um prêmio que abarca uma quantidade bem maior de possibilidades. No entanto, por depender de muitos votos dos associados, o Oscar acaba funcionando como uma eleição política: tende a ter mais votos o filme/cineasta/atriz/produtora que chamou atenção das pessoas por outros meios, ou que todo mundo gosta (e todo mundo gosta da Meryl Streep, por exemplo), e sofre influências de questões externas, como o esquecimento de uma pessoa ou uma motivação de voto que vá além da premissa artística.
Isso tudo significa que, mesmo que de maneira mais subjetiva, há um recorte nas escolhas dos filmes para o Oscar. Note que é comum vermos filmes sobre temas que são caros aos americanos, bem como questões que são importantes no período histórico.
Por isso o discurso de que “tem que vencer o melhor” ou “não adianta se não tiver qualidade” não serve como maneira de rebater as críticas à falta de representatividade. Afinal, se a representatividade for um recorte dos votantes no processo de escolha, ela será refletida nas indicações e nos premiados. E convenhamos: o Oscar comumente premia filmes mais esquecíveis ou desimportantes entre os indicados. Além disso, trata-se de uma eleição, e basta ser brasileiro para compreender que eleitores cometem erros de escolha frequentemente.
Democracia em Vertigem pode ganhar?
Por fim, chegamos ao ponto do filme brasileiro. Baseado em vários elementos que se apresentam, podemos dizer que sim: ele tem chances de ganhar o Oscar. E o tal do “recorte” funciona aqui, já que os americanos estão lidando com um processo de impeachment em seu país e vivem uma situação política parecida com a do Brasil, retratado no documentário de Petra Costa. É como se o Brasil fosse uma versão “piorada” da situação nos EUA, o que cria aquela conexão deles para com os brasileiros, ao mesmo tempo em que uma certa comodidade ao sentirem que estão em uma situação “menos pior” que a do Brasil. Além disso, o filme está na Netflix, e muita gente que vota no Oscar não vê todos os filmes, por isso os mais famosos tendem a ganhar (ou você acha que todo mundo assiste a tudo antes de emitir seus votos?). Como é fácil de assisti-lo, muitos podem ver somente a ele e um outro, e votar nele.
Voltando ao debate do que é “melhor”, podemos dizer sem medo algum que “Democracia em Vertigem” não é o melhor dos documentários indicados. Honeyland ganhou diversos prêmios, e “For Sama” tem força para conquistar votos.
O documentário brasileiro tem alguma chance, mas não é vitória cantada.
E sim, vale sempre ressaltar que o filme merece críticas, sendo a principal delas o fato de Petra Costa ter editado uma foto de arquivo, na qual removeu as armas. Mesmo alegando que ela o fez porque as armas foram plantadas pelos militares, como se estivesse corrigindo uma injustiça, o fato é que ela poderia ter sido mais honesta ao fazer isso.
De qualquer forma, a vitória de Democracia em Vertigem seria um ponto altamente positivo para o cinema brasileiro, e merece ser comemorado por quem assim o preferir, ainda que as pessoas indiferentes a ele tenham o direito de permanecer assim.
Os debates sempre ficam calorosos nessa temporada de premiação. Faz parte. Minha sugestão é: acalmem os ânimos, não levem tudo tão a sério, mas também sigam na luta com as críticas necessárias. E divirtam-se, porque é disso que a gente precisa.