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O Fantasma Apaixonado
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O Fantasma Apaixonado

Uma aula em um filme.

Uma das façanhas mais fascinantes do cinema, é quando seus realizadores mesclam diferentes gêneros dentro de um só filme. Um mix de gêneros muito comum são as “dramédias”, filmes trágicos com elementos de humor. “Terrir”, também é um mix popular, que mistura terror e humor. Hoje, escolhi falar de um filme da década de 40, que conseguiu misturar dois gêneros que são praticamente opostos: Terror e Romance.

O Fantasma Apaixonado” é um filme americano de 1947 dirigido por Joseph L. Mankiewicz. Baseado no livro homônimo escrito por Josephine Leslie (sob o pseudônimo de R. A. Dick), a trama se passa nos anos 1900. Lucy Muir (Gene Tierney) é uma jovem viúva que, apesar da desaprovação de sua sogra e sua cunhada, decide se mudar para uma vila costeira com sua filha e a sua criada. Lucy começa a viver em uma casa mal-assombrada, onde começa a receber a visita do capitão Daniel Gregg (Rex Harrison), o antigo proprietário da casa. Com o passar do tempo, os dois começam a desenvolver uma amizade e até começam a escrever um livro juntos. O capitão Gregg, então, começa a se apaixonar por Lucy, mas o fato de Gregg ser um fantasma faz com que o romance seja impossível de se tornar real.

Originalmente, a atriz Gene Tierney e o diretor do filme encararam o material como uma comédia pastelão, em que Gene interpretou Lucy Muir quase como uma Lucille Ball. Após duas semanas de gravações, o estúdio paralisou as filmagens e exigiu que a dupla mudasse o tom que eles haviam idealizado. Essa intervenção foi um dos principais fatores para que o Mankiewicz encarasse o desafio de misturar diferentes gêneros.

O que realmente chama a atenção são as constantes mudanças de tom e ritmo dentro da produção. O filme começa como uma comédia despretensiosa sobre uma casa mal-assombrada, mas ele evolui para uma fantasia quando o casal principal começa a se apaixonar. No segundo ato, o filme vira basicamente um novelão melodramático até que então, a trama se transforma em uma tragédia gótica. Todas essas mudanças são elementos-chave para esta história da redenção sobre Lucy buscando o amor verdadeiro.

O filme, na verdade, é uma mistura de vários elementos do cinema, como: Horror, Comédia, Conto de Fadas e, principalmente, uma combinação de Romance e Fantasia. Assim como um filme de romance, o tema central do filme é a busca pelo amor verdadeiro. Lucy passa toda a trama buscando um parceiro, mas parece não encontrar ninguém que a deixe mais leve e feliz do que o fantasma do capitão Gregg.

O simbolismo é presente em vários elementos do filme. O principal simbolismo encontrado é o nome da própria protagonista: Muir. Em inglês, o filme chama-se “The Ghost and Mrs. Muir”, livremente traduzido para “O Fantasma e a Senhorita Muir”. Muir significa Mar em escocês gaélico. Como tradição entre marinheiros, é comum falar que eles são casados com o mar, ou então que a única mulher que eles amam é o mar. Isso explica o fato do ex-marido da senhorita Muir ser um homem do mar, assim como seu novo amor, o fantasma do capitão Gregg.

Uma história de fantasia geralmente desafia qualquer explicação racional, porém, “O Fantasma Apaixonado” parece ter mais os pés no chão do que outras produções do mesmo gênero, apesar do casal principal ser formado por uma mulher e um fantasma. Lucy é a única capaz de ver o fantasma, que permanece invisível para todos os outros personagens do filme, o que nos leva a duvidar se o fantasma é real ou apenas uma projeção da cabeça da protagonista. Ao longo do filme, Lucy está em uma busca interminável por sua autodescoberta, procurando liberta-se dos padrões impostos pela sociedade da época. Tudo isso pode levar a crer que o fantasma de Gregg é na verdade um escapismo e um conforto criados pela própria Lucy.

O fato de Lucy se apaixonar por um fantasma não deixa de ser irônico, já que seu único amor até então acabara de falecer, simbolizando que para Lucy, o amor na verdade está morto.

É inevitável que o espectador comece a questionar a existência do capitão Gregg. A primeira vez que Lucy encontra o capitão, ela está quase dormindo, em um momento muito propício para apurar a imaginação da protagonista. Fora isso, é inevitável que o terceiro ato crie inúmeras teorias e fique completamente aberto a interpretações.

Um dos destaques dessa produção fica por conta da belíssima trilha sonora, composta por Bernard Herrmann, famoso por trabalhar em inúmeras produções de Hitchcock. Outros destaques ficam por conta do figurino, cenários e fotografia. Assim como “O Morro dos Ventos Uivantes”, “O Fantasma Apaixonado” é uma história de amor gótica com elementos de fantasia e horror. O filme é essencial para todo fã de cinema pois ele possui várias maneiras de ser interpretado, tudo devido a sua mistura de gêneros. Na primeira vez que assisti ao filme, eu encarei ele como uma comédia de fantasia sobre um fantasma e uma mulher. Na segunda vez que o assisti, me aprofundei bem mais na história e o simbolismo por trás dela. E cada nova assistida, percebia o quão realmente triste e o quão real o filme é na verdade. Muito mais do que um filme sobre uma mulher buscando amor, esse é um filme sobre encontrar a fé em um mundo triste e sombrio. Indiscutivelmente um clássico pouco conhecido do grande público, que funciona como uma aula de cinema. O filme recebeu uma indicação ao Oscar em 1947 por melhor direção de fotografia.

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