Horror Expo 2019 | Crítica: Nightmare Cinema - Cinem(ação): filmes, podcasts, críticas e tudo sobre cinema
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Horror Expo 2019 | Crítica: Nightmare Cinema

Diretor e roteirista, talvez o maior talento de Mick Garris, é o de ser justamente um ótimo “midle man”, um intermediário que, na indústria do terror há um bom tempo e com um nome consolidado, consegue atrair os maiores nomes do gênero para participar de projetos que vão desde seu podcast à aclamada antologia “Masters of Horror”. Da intenção de ampliar o escopo da série-antologia com diretores internacionais, nasceu este Nightmare Cinema, um projeto que surgiu também como uma sére de tv e demorou anos para sair do papel. Como o próprio diretor diz em seu painel na Horror Expo 2019,é um projeto que envolve pouco dinheiro e existe apenas da paixão por fazer o que vemos na tela acontecer.

Assim, Garris reúne 4 diretores  do gênero  – além, é claro, dele mesmo – para contar as histórias que vemos aqui: Alejandro Brugués (Juan of The Dead) , Joe Dante (Grito de Horror, Gremlins 1 e 2), Ryûhei Kitamura (Godzilla – Batalha Final, O Último Trem) e David Slade (Menina Má.com, 30 Dias de Noite e Black Mirror: Bandersnatch). Felizmente,  após o cult Trick r’ Treat, de Mike Dougherty, antologias de terror passaram por um processo de ressurgimento, como os filmes da série ABCs da Morte, V/H/S e XX, inclusive nacionais como Fábulas Negras e Histórias Estranhas. Como numa sacola de doces no Halloween, são produções sortidas de estilos e tom divergentes umas das outras que podem ser boas ou ruins, e vemos algo parecido em Nightmare Cinema.

Nessa antologia, temos 5 histórias ligadas pelo “cinema pesadelo” do título, que na verdade é o tradicional Rialto Theater, em Los Angeles. Os protagonistas dos curtas aparecem em pequenas introduções ao avistarem seus nomes no letreiro do cinema, com os curtas que revelarão inseguranças, temores e males que serão infligidos sobre os mesmos em seus respectivos curtas. Garris comanda todas essas introduções, inclusive um mini segmento chamado The Projeccionist, que possui como objetivo introduzir uma figura equivalente à um guardião da cripta, que é interpretado por ninguém menos que Mickey Rourke.

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O primeiro curta da antologia, The Thing In The Woods, é o filme de Alejandro Brugués. Se o bom Juan of The Dead – segundo longa do diretor – se enfraquecia pela eventual reciclagem (não subversão) de um cinema norte-americano, é curioso notar como este primeiro curta se inicia já no terceiro ato de um clássico slasher americanizado, servindo como um pastiche de produções do tipo onde a scream queen e seus companheiros já se encontram fugindo de seu algoz. Não precisamos saber o que aconteceu nos hipotéticos dois atos anteriores; temos toda uma tradição fílmica do gênero como orientação. A subversão vem quando os papeis de antagonista e protagonista se invertem, e o segmento vira, inesperadamente, um filme de criatura.

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O segundo curta é Mirari, de Joe Dante, e gira em torno de uma mulher que possui uma cicatriz no rosto e, incentivada por seu namorado, se submete a uma cirurgia estética. Ainda que o tema não seja exatamente dos mais novos, unindo um body horror com o terror psicológico contido nessas questões, Mirari beneficia-se do olhar de seu diretor, que – em sua carreira repleta de produções com efeitos práticos e criaturas, mas também senso de diversão em meio ao caos protagonizado por seus protagonistas – consegue explorar minimamente às possibilidades grotescas desse tema de modificação corporal. De todos os curtas contidos em Nightmare Cinema, é o que mais se assemelha à uma história saída da série Além da Imaginação, com uma “lição de moral” perturbada ao fim da história.

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Mashit, de Ryûhei Kitamura, é o “filme de possessão” dessa antologia. Ambientado numa escola católica, é o curta que mais soa desconjuntado em suas misturas de tons, mas provavelmente o mais divertido.  Um verdadeiro exploitation de terror europeu de possessão, há de tudo em Mashit: crianças possuídas, um demônio com efeitos práticos de qualidade questionável, o padre que transa com a freira e uma música tema recorrente em pontos chave da trama que consegue até mesmo evocar algumas composições de Goblin em suas colaborações com Dario Argento. O clímax, onde o padre enfrenta crianças com uma espada, é consciente em seu absurdo. É uma pena que tais descrições empolguem mais que as execuções das mesmas, que – entre uma sequência ou outra realmente competente – parecem burocráticas mesmo em meio a estas loucuras, transformando este segmento divertido apenas num exercício de estilo que nunca parece alcançar seu potencial, em grande parte por questões técnicas.

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This Way To Egress, segmento dirigido por David Slade, é o que mais intriga na antologia, principalmente pela impressão inicial de um refinamento visual não existente nos outros curtas, que possuem um caráter mais amador e barato devido ao baixo orçamento (e é curioso notar como essa característica funciona em alguns segmentos e em outros não, de acordo com a visão de seus cineastas). A começar pela fotografia de Jo Willems – que já colaborou com Slade em outros filmes do subestimado diretor-, com uma decupagem de planos mais cuidadosa e a escolha pelo preto e branco que Slade já havia utilizado em seu trabalho anterior – o episódio Metalhead de Black Mirror -, que difere prontamente This Way To Egress dos outros trabalhos vistos aqui. A protagonista, Helen (Elizabeth Reaser, ótima) está sendo perturbada por visões aterrorizantes que distorcem o mundo a seu redor e incitam pensamentos suicidas. Em sua visita ao psicólogo, presenciamos uma gradual descendência a um mundo de paranoia e ansiedade. Com uma lógica onírica que aposta na estranheza das situações vistas aqui – como um verdadeiro pesadelo -, temos elementos como a inspirada escalação do ator Adam Godley como o psicólogo de Helen, onde ficamos inquietos não só por suas peculiaridades físicas – como o formato de seu rosto ou as grandes orelhas -, mas também pela bagagem que o próprio ator trás consigo, já que, estrelando em diversos papeis coadjuvantes, porém nunca marcantes em sua maioria, atribui justamente essa característica onírica de DeJaVu, na qual sabemos que o conhecemos, mas não exatamente de onde. Evocando em seus melhores momentos David Lynch (a superfície da superfície, é verdade), este segmento se eleva em seus minutos finais, ao sugerir um inesperado escopo maior e mitológico a algo que parecia ocorrer apenas na mente de sua protagonista.

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A projeção se encerra justamente com Mick Garris, com o segmento Dead. Se a última impressão é a que fica, é uma pena que este seja, possivelmente, o trabalho mais fraco. Após um assalto que resultou na morte de seus pais e o colocou em um hospital, Riley (Faly Rakotohavana) literalmente escapou da morte, sendo ressuscitado por paramédicos após levar um tiro no peito. Quando volta à vida, no entanto,, o garoto descobre que consegue ver e se comunicar com os mortos. O enredo não é exatamente original, mas isso não significa que boas e diferentes visões sobre o tema não consigam ser extraídas do mesmo. Nos adentremos mais sobre visões à frente; o que peca prontamente em Dead são seus aspectos técnicos, justamente uma execução pouco inspirada da história proposta. À parte do pequeno orçamento, o que temos é uma direção de fotografia (de Andrew Russo) de planos feios, exagerados e abertos que parecem saídos mais de uma produção feita diretamente para a TV, como uma novela. Esse aspecto novelesco é exaltado pela própria trilha sonora constante de Kyle Newmaster. Determinado momento, evolvendo uma projeção espiritual feita no after effects, é vergonhoso e derruba qualquer intenção dramática proposta. É uma pena porque sabemos claramente os sentimentos que Garris deseja emular, mas não consegue devido à uma falta de talento para tal. Não é algo que ocorre apenas por causa do orçamento, mas sim por péssimas escolhas narrativas. O final, mais um daqueles que parecem saídos de um episódio de Além da Imaginação, escancara mais uma vez como o cineasta encara o terror, e isso é o que mais intriga em Nightmare Cinema.

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Porque há, nessa antologia como um todo, a intenção de um terror velha guarda que parte do próprio Garris, que soam um tanto quanto datados. Isso parece presente não só em Dead, mas em todas as sequências que se passam na sala de cinema antes e depois de os curtas acabarem, sequências que Garris comanda. E essas cenas são embaladas com a mesma trilha sonora datada pontuando atmosfera de terror (que poderia ser até charmosa caso tenta-se apenas estabelecer uma atmosfera estilística ao invés de provocar pavor de fato – e falhar), com os mesmos planos feios, a mesma sensação de “filme feito para a tv.”

Nota-se também esse claro embate de visões, algo que faz muito sentido nessa troca de gerações, já que os contos de Dante e Garris possuem uma forma muito específica de como aborda o terror experienciado por seus personagens, negando o exploitation de Mashit e The Thing in The Woods, e realizando uma história tradicional de 3 atos, que apresenta os personagens para que nos afeiçoemos a estes, tentando construir um mistério que, no caso das cenas comandadas por Garris, não funciona. Mesmo o Projecionista, personagem de Mickey Rourke, é introduzido já com a intenção de ser cimentado num legado do terror, mas, como muitas das coisas em Nightmare Cinema, é raso ou irregular.

Se Nightmare Cinema nunca consegue alcançar o objetivo de se tornar um sucessor da série Masters of Horror, ele ao menos serve como uma comparação interessante não estilos, mas de gerações. É uma pena que elementos clássicos acabem se tornando antiquados nas mãos de Garris, um ótimo produtor, um grande middle man, que como diretor, desta vez, errou a mão.

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