Quem gosta de arte não gosta de censura
Eu sei que eu poderia ter falado sobre isso antes. Mas senti que todo mundo já estava falando. Eu sei que talvez eu tenha perdido um pouco do “timing”, mas pouco importa. A esta altura, todos já sabemos que a tentativa de censurar livros e quadrinhos com temática LGBT na Bienal do Livro do Rio de Janeiro saiu pela culatra do revólver conservador do prefeito Marcelo Crivella.
O que eu fiquei pensando enquanto esses acontecimentos se desenrolavam é como a censura e a intolerância fazem parte da vida das pessoas que não gostam de arte.
Ora, basta se aprofundar no cinema, para além dos filmes comerciais do mainstream, que você logo verá alguma cena de um beijo que fuja da heteronormatividade.
Basta ler livros com frequência que logo você se defrontará com amores e paixões dos mais variados prismas.
Basta visitar alguns museus ou observar histórias de outros tempos e outros povos, que a sua percepção da complexidade humana deixará de lado aquela visão maniqueísta mais tacanha da sociedade.
É por isso que quem gosta de arte não gosta de censura. Quem gosta de arte não gosta de limites castradores nem de tudo igual. Porque gostar de arte é gostar do que é diferente. É admirar cada ser humano como uma fonte de infinitas possibilidades.
Quem gosta de arte sabe que o caminho para a felicidade de uma pessoa não é o mesmo para outras. Quem gosta de arte se abre para o novo e não se incomoda com a alegria dos outros. A arte ajuda a entendermos quem somos de forma profunda e sensível. E quem se entende, se aceita. E quem aceita a si mesmo também aceita o outro como ele é.
Por outro lado, quem gosta de censura não gosta de arte. E por não gostar de arte, não consegue ver além do próprio umbigo. E quem gosta de censura também adora apontar o dedo na cara dos outros, criar regras idiotas, mandar pra cama sem o direito a se defender. Isso tudo é coisa de quem não sabe apreciar o barulho da chuva, a borboleta a flutuar pelo jardim, ou a poesia de uma criança. Porque não se conhecem por dentro, e acham que todo mundo pode ser igual visto de fora. E por isso acham que todo mundo pode ser moldado por uma fôrma e caber em uma caixinha.
Isso tem tudo a ver com o que a já saudosa Fernanda Young escreveu em suas últimas palavras escritas. Ela os chamou de cafonas. Porque o cafona que manda ladrilhar o jardim e despreza a ciência é a mesma pessoa que gosta de proibir. Esse mesmo cafona mente para si mesmo, dizendo que é tudo para proteger as crianças, quando na verdade é para proteger a si mesmo da mudança inevitável. Porque, afinal, quem não gosta de arte também não gosta de mudar – suas concepções, seus padrões, suas atitudes.
Porque a arte é mudança como a luz da manhã. Chega de mansinho, nem parece que já está clareando. Quando nos damos conta, ela já nos salvou da escuridão.