Dor e Glória: um (re)pensar da vida e da arte
“Dor e Glória”, de Almodóvar, é um filme lindo. E me fez repensar diversas coisas. Me permitiu sentir diferentes emoções. Fui ver no Cineclube de Indaiatuba, e não sabia muito sobre ele: só que havia sido elogiado em Cannes e que tinha um viés autobiográfico.
Ultimamente, alguns filmes me levam a escrever reflexões em artigos, muito mais do que as críticas, que são geralmente mais certeiras, porém muitas vezes mais frias. É o caso.
Após a exibição do filme, um dos membros do cineclube comparou Almodóvar a Fellini, em um rápido debate que ocorreu logo após o filme. De fato, “Dor e Glória” tem algo de “Oito e Meio” em sua autobiografia escancarada. Entre os muitos paralelos, não dá pra não dizer que Antonio Banderas é o Marcello Mastroianni de Almodóvar.
É interessante como este filme é um daqueles que fica na memória, especialmente pelas imagens e pela delicadeza com que o cineasta espanhol mostra as memórias do diretor ficcional Salvador Mallo. A cena do menino sendo desenhado, a forma idílica com que o personagem do pedreiro é filmado quando o desenha, a cena da piscina, a química entre Sbaraglia e Banderas, as atuações de Penélope Cruz e Julieta Serrano.
Mas, na verdade, eu queria mesmo era falar do que o filme me levou a refletir.
Fiquei pensando em como somos todos frágeis, e como as dores e os problemas de saúde nos afetam e atrapalham nossos sonhos. Pensei em inspiração. Em como podemos – e talvez devemos – nos desnudar quando queremos fazer algo artístico realmente impactante.
Mas o mais importante: o quanto a nossa história nos molda e como repensar sobre ela é fundamental para nos compreendermos. Eu sempre tive essa dificuldade. Hoje, eu compreendo algumas coisas da minha vida porque refleti sobre meu passado. No entanto, há muitos elementos que eu não consigo recuperar. Não sei se por minha memória fraca ou minha dificuldade em compreender acontecimentos do passado. Talvez por medo.
Olhar para si mesmo é difícil. Refletir sobre os próprios desejos, os traumas, aquelas coisas que a mente já colocou em um canto esquecido, uma prateleira dos fundos.
Artistas talvez consigam isso com mais facilidade, ou quiçá tenham a oportunidade de fazê-lo com mais ênfase. Lembro-me do que disse Denise Fraga, que a arte faz a gente sofrer “mais bonito”. Afinal, sofremos sempre o mesmo, mas quem se aprofunda na arte sabe, possivelmente, se expressar melhor.
Uma frase de “Dor e Glória” me emocionou mais do que tudo. O pequeno Salvador, ao ensinar um adulto a escrever, diz algo como: “escrever é como desenhar, só que com letras”.
E aquilo me bateu fundo.
Provavelmente porque eu não sei desenhar, mas gosto de escrever. Mas o verdadeiro motivo não tem importância. Assim como no filme não importa o que é ficcional e o que é autobiográfico, também não importa por que algo nos toca. Tem horas que a gente precisa só sentir.