Crítica: Democracia em Vertigem
Democracia em Vertigem chegou hoje na Netflix após ser lançado no Festival de Sundance
Ficha técnica
Direção: Petra Costa
Roteiro: Petra Costa, Carol Pires, David Barker, Moara Passoni
Nacionalidade e Lançamento: Brasil, 2019 (19 de junho de 2019 em lançamento mundial – Netflix)
Sinopse: Memórias pessoais e um panorama político do Brasil se confundem: Petra Costa tenta investigar o que acontece com a democracia brasileira desde as manifestações de junho de 2013 até o impeachment de Dilma Rousseff e o início do flerte com o autoritarismo.
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Quem havia visto o que Petra Costa fez no sentimental “Elena”, não imaginaria nada menos do que algo criativo em seu novo filme. De fato. Mais uma vez, a cineasta coloca toda a sua pessoalidade na produção e não se furta em deixar claro seu ponto de vista. Como todo bom documentário, é importante que o espectador compreenda de onde vem o olhar que o filme se propõe a lançar.
Quem já conhecia um pouco de Petra a partir de seu filme anterior, aqui volta a ver elementos do passado da diretora que moldam seu modo de pensar a política. É a partir desta visão que acompanhamos sua jornada. E se antes Petra olhou para dentro de si e da sua família (a partir da dor em relação à sua irmã), agora ela olha para o que lhe é externo (sempre partindo de dentro de si e da história da sua família).
“Democracia em Vertigem” tem como principal trunfo algo que também pode ser sua maior vulnerabilidade: a proximidade dos fatos. Afinal, o filme foi lançado em Sundance poucos dias após a posse do atual presidente, citado e mostrado ao fim do longa. Ao mesmo tempo em que um documentário com acontecimentos recentes faz com que o Brasil possa digerir melhor um alimento recém-mastigado, é possível que muitos dos temas aqui retratados se tornem obsoletos em breve. Cito dois exemplos: a energia do documentário despendida em relação a Aécio Neves já é ultrapassada, visto a pouca importância que o agora deputado desempenha no cenário político atual; enquanto que os momentos que questionam a imparcialidade do então juiz Sérgio Moro conversam de forma pungente com as divulgações recentes das conversas interceptadas.
O acesso que a documentarista teve aos bastidores do PT é a joia do filme. As cenas mostram momentos importantes, como a votação do impeachment de Dilma, o discurso de Lula antes de ser preso, além de pequenos detalhes que podem ampliar a visão do espectador que estiver mais aberto a se aproximar dos ex-presidentes petistas. Destaco, aqui, a conversa entre Dilma e a mãe da cineasta, ambas presas na Ditadura, falando sobre o período. Há também o momento de “risos nervosos” entre a ex-presidenta e seu advogado José Eduardo Cardozo, quando comparam a situação que vivem com a de Joseph K, da obra de Franz Kafka. São momentos que os tornam mais tridimensionais. Sem contar as imagens feitas no Palácio da Alvorada (e outras com uso de drone) que são de tirar o fôlego.
Ainda assim, o que faz de “Democracia em Vertigem” um filme fundamental é sua capacidade de sintetizar os últimos anos por meio de um panorama que diverge em muito da cobertura jornalística mais tradicional, permitindo assim que o brasileiro olhe de forma diferente para o todo. Considerando que o filme chega a 119 países, sua visão também pode contribuir para amadurecer o entendimento internacional acerca do Brasil (os EUA e diversas outras nações vivem períodos históricos similares). Isso pode incomodar pessoas do espectro político da direita, mas fica aqui a provocação: que um cineasta de direita mostre um ponto de vista diferente em um documentário igualmente sensível, pessoal, cuidadoso e fluido como este, e certamente conquistará um reconhecimento similar.
Chamado de “The Edge of Democracy” em inglês (‘à beira da democracia’, em tradução literal), o documentário faz referência ao sentimento de vertigem quando se está à beira de um abismo. Talvez seja justamente isso que o Brasil vive no momento. Se essa democracia vai desabar ou se recuperar da vertigem, ainda não sabemos.
Summary
“Democracia em Vertigem” tem como principal trunfo algo que também pode ser sua maior vulnerabilidade: a proximidade dos fatos.