Crítica | Anos 90
Anos 90
Ficha técnica
Direção: Jonah Hill
Roteiro: Jonah Hill
Elenco: Sunny Suljic, Katherine Waterston, Lucas Hedges, Na-kel Smith, Olan Prenatt, Gio Galicia, Ryder McLaughlin, Alexa Demie
Nacionalidade e Lançamento: EUA, 2019 (30 de maio de 2019 no Brasil)
Sinopse: Aos 13 anos, Stevie é um garoto de Los Angeles tentando curtir o início da adolescência enquanto tenta relevar o relacionamento abusivo com o irmão mais velho. Em plena década de 1990, ele descobre o skate e aprende lições de vida com o seu novo grupo de amigos.
O ambiente que nos cerca tem papel importante no nosso crescimento. Somos moldados pelas pessoas que passam por nossas vidas em nossos anos de formação, assim como momentos e conversas que, de tão pequenos e insignificantes à primeira vista são considerados banais, mas podem nos definir e deixar marcas duradouras sem que ao menos nos lembremos destes. Há também a questão geracional, e é interessante notar como também somos moldados pela década em que nascemos e o tipo de cultura pop produzida durante este período. As músicas, desenhos e programas que consumiremos terão papel essencial em definir nossa essência, aquela coisa dentro do peito que sempre fará sentido para nós. Anos 90, filme debute do ator Jonah Hill como diretor, é um registro autobiográfico de um tempo muito específico daquela década, o Mid 90s do título original.
No cinema – em livros e aulas de roteiro – nos ensinam que personagens não são listas de coisas, definidos pelas bandas e filmes que gostam (algo que grande parte das personagens femininas em comédias românticas – as tais manic pixies dream girls – sofre, por exemplo). São suas atitudes e escolhas diante de problemas e desafios que definirão o caráter dos mesmos perante a audiência. É curioso, então, que quando conhecemos Stevie (Sunny Suljic, uma revelação) – o protagonista de 13 anos – enquanto desobedece a ordem direta de seu irmão mais velho Ian (Lucas Hedges, já veterano em papeis de jovens monossilábicos e revoltados) – “fique fora da porra do meu quarto, Stevie” –, nos atentemos justamente à sua camiseta do jogo Street Fighter, e já começamos a tentar decifrar quem ele é – à parte do espírito aventureiro e desobediente – justamente por sua admiração pelos objetos da época contidos no quarto do irmão, com seu pôster do Wu Tang Clan na parede, um Super Nintendo na cama, diversos cds de músicas da era nas prateleiras e um walkman – o qual Stevie fica particularmente interessado.
A “regra” das listas não se encaixa aqui: ainda que a direção de arte e o figurino tenham papel importante na construção de um personagem, as figuras vistas em Anos 90 – a maioria adolescente – estão em momentos de suas vidas onde acreditam ser definidas pelas roupas que vestem, o tipo de música que escutam e a “tribo” que frequentam. Mais do que isso, elas se encontram numa década onde uma cultura mais alternativa emergia, com valores mais confusos e questionamentos da idade refletidos na ascensão de gêneros como o grunge e hip hop entre estes jovens. Essa necessidade de pertencimento da “geração MTV” é sentida por Stevie, que, com um alicerce familiar conturbado – sua mãe (interpretada por Katherine Waterston), esforçada, mas com seus próprios demônios, criou Stevie e Ian sozinha – encontra nas ruas de Los Angeles um grupo de skatistas que o acolhe como parte do bando. Conforme Stevie adota um estilo de vida mais extremo, regado a uso inconsequente de álcool e drogas por influência de alguns garotos do grupo, ele também lida com as consequências e os aprendizados de “crescer”.
Anos 90 poderia facilmente se tornar apenas mais um objeto de nostalgia vazia. Se a escolha de Hill e Christopher Blauvelt, seu diretor de fotografia, por filmar o longa com uma razão de aspecto de 1.33 – gerando uma proporção de tela mais quadrada – poderia servir apenas como mero recurso estilístico para emular a época, ela serve também para tornar os registros vistos aqui mais íntimos, já que excluem um aspecto mais cinematográfico que um formato mais próximo a um widescreen possuiria. Assim, a sensação que temos é de – como também ocorre dentro do filme – estarmos vendo um vídeo caseiro de amigos, e a escolha por escalar atores coadjuvantes com pouca ou nenhuma experiência (são pessoas e skatistas reais, com espinhas e sem a figura estetizada de um ator mais velho e experiente tentando parecer um adolescente) apenas contribui para isso. A trilha sonora, embalada por clássicos de grupos como Pixies, Misfits e Wu Tang Clan nunca soa forçada na narrativa como em vários outros filmes do tipo, e surgem para pontuar as emoções sentidas pelo seu protagonista sem que soem exageradas.
Não se pode dizer, no entanto, que Anos 90 não cultue – como os garotos que acompanhamos – os objetos de desejo da época. Quando Stevie se aventura pelo quarto de seu irmão, só sentimos que isto é uma aventura porque a câmera passeia pelo cômodo como uma quase visão subjetiva que torna aqueles objetos – à parte da nostalgia – prontamente icônicos. Ainda assim, a diferença entre obras que apenas vomitam referências a outras décadas na tela e esta reside em uma visão clara por parte de Hill do que deseja contar e da escolha acertada de sua equipe, tornando os momentos que vemos aqui sensíveis mas sem uma auto importância excessiva, transformando momentos como a visita ao quarto do irmão mais velho do protagonista em experiências que beiram ao sensorial.
Nesse sensorialismo, Anos 90 frequentemente passa a sensação de estarmos revivendo memórias – às vezes nossas, às vezes do próprio realizador – registradas com inegável paixão e carinho por parte de Hill. A coroa dessas sensações é a trilha sonora orquestrada composta por Trent Reznor e Aticcus Ross (colaboradores habituais do cineasta David Fincher e vencedores do Oscar por“A Rede Social”), econômica, mas utilizada nos momentos certos. Quase um álbum de meditação da Nine Inch Nails (banda encabeçada por Reznor), a trilha alcança a genialidade em seus acordes de piano que, como os momentos vistos no filme, soam familiares – como uma lembrança meio esquecida – mas são conduzidas num crescendo de notas que reflete a própria ansiedade de crescer e descobrir coisas novas, e a melancolia angustiante que abraça gradualmente as melodias apenas fortalece a obra geral como um filme de sensações.
O roteiro, também escrito por Hill, acerta por nunca tratar os dramas dos personagens de forma caricata. Estamos acompanhando adolescentes, mas suas inquietações são plantadas em pequenos momentos sem muito alarde para as mesmas, já que, um reflexo da idade, tais emoções costumam ser reprimidas. Em determinado momento do terceiro ato – praticamente um clímax -, onde emoções como inveja e revolta por parte de alguns garotos do grupo que são externadas em atos irracionais e raivosos, as ações são abraçadas pela trilha recorrente de Reznor e Ross com os mesmos acordes esperançosos e melancólicos que escutamos no resto da projeção, como se representassem mais uma catarse emocional pelo simples fato de estarem sendo colocadas para fora (“nunca peça desculpas cara, isso é gay”, diz um moleque em certo momento do filme) do que como um falha de virtude, pois até mesmo nestes momentos encontra-se beleza e poesia. É o crescimento de personagem mas também do indivíduo.
É surpreendente, no fim das contas, que da patota lançada por Judd Appatow – James Franco, Seth Rogen, Danny Mcbride -, que eventualmente migrou para trás das câmeras em suas próprias tentativas de um cinema mais autoral e distinto, tenha sido Jonah Hill – ator que protagonizou inúmeras das comédias screw ball e contos coming of age (Superbad ainda é uma das obras definitivas desse subgênero) sobre um grupo de garotos na puberdade com hormonios à flora da pele – aquele que realizou a obra mais sensível, também sobre um grupo de jovens que passam a maior parte do tempo falando besteiras e sonhando com o futuro.
Mais do que um coming of age, Anos 90 é o retrato sensorial de uma década e um registro íntimo de um momento bem específico na vida de um garoto de 13 anos, e se a obra consegue funcionar como um objeto de nostalgia até mesmo para aqueles que não viveram nos subúrbios de Los Angeles durante aquele período, é justamente pela eficácia cinematográfica em sua forma mais pura de manipular tais emoções, com uma extrema segurança de seu diretor estreante – e seu honesto registro do que significa crescer.