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Vingadores: Ultimato - cena capitão américa chorando
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Vingadores: Ultimato – uma narrativa que retrocede para homenagear a jornada

Discutir os filmes da Marvel, é remontar sua trajetória e elogiar a eficácia na transição de mídias. Ao longo dos anos foi preciso confrontar os quadrinhos de modo a observar suas possibilidades no formato audiovisual e quais as formas dinâmicas de conduzir os longas para estruturas que envolvem não só os fãs, como também o público de uma maneira geral.

É evidente que a Marvel precisou de uma abordagem mais atenciosa, por motivo do entrelaçamento de narrativas; seus personagens nunca foram desenvolvidos por si e o desenvolvimento do roteiro nunca, de fato, terminou após os créditos finais, isso sistematicamente isola as produções de uma condição genuína, tornando-as produtos extremamente relevantes para a cultura pop, mas costumeiramente frágeis artisticamente – se sobressaindo na maioria das vezes apenas pela atmosfera dinâmica, efeitos visuais e pela própria simpatia de personagens tão queridos por todos.

Pontuado essa perspectiva que remonta uma observação distante da jornada completa – leia-se ser leitor de quadrinho entusiasmado por finalmente conseguir ver esses heróis bem retratados em telas enormes e toda a experiência coletiva, discussão na internet, inúmeras matérias especulativas etc -, é sim muito relevante toda a estratégia que a Marvel consolidou ao longo dos últimos dez anos. Como projeto administrativo merece observação atenciosa, pois uma ideia simples ganhou proporções enormes e solidifica um formato que envolve muitas camadas.

Contudo, é intrínseco a análise geral o fato de que esse planejamento visando o futuro, o mercado, tendeu em muitas situações a fragilizar uma obra em específico, vide personagens mal desenvolvidos que ao longo do tempo foram sendo modificados ou filmes que são intensamente fracos mas que foram vendidos como imprescindíveis para essa guerra final contra Thanos – cito Homem Formiga e Vespa (2018) e Capitã Marvel (2019) como exemplos.

Guerra Infinita (2018) me causou sensações diferentes das quais estava acostumado. A subversão, dentro de um formato tão conservador e padronizado, de isolar os heróis e simplesmente focar em um vilão inteiramente complexo, ressaltando suas características humanas e personificando a guerra não somente em seu estado físico, mas intelectual e estratégico, esse filme foi muitas coisas, menos óbvio.

Partindo em sequência dos eventos mostrados em Guerra Infinita (2018), essa última parte representa algo muito profundo para a jornada completa, traduz com perfeição o blockbuster, explicitamente é uma perfeita experiência em conjunto cinematográfica, se trata de um filme que une toda essa construção feita não só pelos filmes, mas os sites, canais que explicaram os finais, especularam, brindes etc, reparem que tudo isso é mercado, o que não anula de forma alguma o brilhantismo no campo das sensações, no entanto cabe uma pausa, distância do objeto para, enfim, analisá-lo de forma isolada.

Vingadores: Ultimato (2019)

O longa começa onde a primeira parte terminou, seja no tempo cronológico mas principalmente psicológico. É nítido a preocupação no primeiro ato em percorrer a mentalidade fracassada dos heróis ao não conseguir confrontar o pior dos vilões: suas próprias mentes. Todos eles simplesmente não conseguem compreender o fracasso e, desse modo, o desenvolvimento compactua com a linearidade absolutamente forte trabalhada em Guerra Infinita. O problema é que o primeiro ato acaba com a solução mais frágil possível: banaliza a linha do tempo e organização do roteiro – literalmente e metaforicamente – para reviver momentos e expor todos os personagens para lidar com seus momentos anteriores.

Percebam a coragem ao fazê-lo de modo intimista, para desabar e reduzir-se à obviedade; se no primeiro ato todos os heróis, sem verbalização, confrontam subliminarmente sua própria culpa, no segundo ato passam a simplesmente confrontar o seu passado através de uma decisão facilitadora do roteiro que contrasta não só com o que vinha sendo desenvolvido mas com a própria ciência.

Essa última parte, portanto, isolando a experiência coletiva intensa como descrita ao longo dos primeiros parágrafos dessa análise, representa um retrocesso narrativo que limita-se a voltar-se à situações de modo a homenagear o próprio trajeto, não da obra em específico, mas da estratégia mercadológica da empresa.

Tentei observar esses últimos filmes sob a perspectiva atenta, respeitosa, mas restou-me atentar ao conjunto. De modo cauteloso reflito as salas de cinema, lotadas por pessoas que, de forma compartilhada, formam um séquito de enfeitiçados por figuras-símbolos simpáticos e que construíram isso ao longo do tempo, desdobramentos e reparos. Esse deslocamento ao templo cinematográfico, transforma-se em um ritual religioso, onde os Vingadores abraçam o status de ícones e o vilão simplesmente se torna absolutamente detestável pela enorme força, sua ameaça passa a ser menos intelectual e extremamente enraizada no físico. Há ainda uma observação pontual que, para adequar às necessidades do roteiro, diversos personagens perdem parte considerável da sua habilidade para abrir espaço para outros serem protagonistas – Capitã Marvel poderia ser muito mais relevante na batalha final e evitar uma série de consequências vistas aqui.

O filme é bom. Ainda que reflita essa afirmação de modo a conseguir separar a experiência do conteúdo em si, tenho certeza que é preciso vê-lo depois, quando passar as emoções, fico com a sensação que os filmes da Marvel passam rápido pois rapidamente vem outro em seguida que complementa o anterior (ou o corrige), como se estar a par do universo fosse mais importante do que gostar ou não de tal filme.

A certeza é que o roteiro é frágil. Parte considerável do longa desconsidera muitos potenciais para reviver o passado, Thanos perde o seu potencial ao passo que retrocede a um momento em que não possui tal força ou sensação de conclusão como visto antes, portanto sua batalha nesse filme representa algo que está por vir, o espectador compreende mais a situação do que a figura antagônica. E isso contrasta com a primeira parte, onde ele sempre estava um passo na frente tanto dos heróis, como do espectador. A personalidade imprevisível do Titã é reduzido para refém do tempo aqui, de modo que encaixe na trama que contempla jornadas.

A cena da batalha final é apoteótica, ainda que tenhamos a sensação de que o melhor dos heróis não confrontam o melhor do vilão. O problema é que entre o ato final e o primeiro, existe todo o segundo ato e, apesar do bom desenvolvimento, o “bom” é muito comum para um filme que pretende ser tão grande e se rende a uma estrutura indiscutivelmente limitadora que é servir e não criar.

Como experiência completa Vingadores: Ultimato (2019) é motivo de muita discussão e felicidade, me senti constantemente emocionado pela energia contagiante da sala, no entanto em uma visão puramente teórica, tendo sempre a acreditar que uma obra com problemas tão cruciais como sua estrutura narrativa, apoia-se na atmosfera e não consegue ultrapassar o tempo.

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