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O que terá acontecido com o Oscar?

O Oscar 2019 não teve um apresentador fixo à frente do show, mas vários. Uma voz anunciava o nome de quem entraria no palco e apresentaria a próxima atração. Funcionou? Sim. A cerimônia ficou mais curta e ágil, e ainda fomos poupados (ou quase) de uma série de piadas que nem mesmo entendemos. Com isso, a audiência também subiu depois de alguns anos em queda; afinal de contas, o Oscar é assumidamente um show, e, como tal, precisa que muitas pessoas o estejam assistindo. Astros e estrelas do momento foram selecionados para dar brilho à festa, e no meio de tanto glamour, as coisas não poderiam dar errado. Mas infelizmente deu. E se as coisas não deram tão certo, não foi por culpa das apresentações no palco.

O fato é que, de uns tempos pra cá, o Oscar tem feito algumas mudanças para atrair o público e se inserir em contextos políticos, sociais e morais, e é aí que reside seu maior problema. Uma premiação, como bem sabemos, tem como objetivo (ou pelo menos deveria ser assim) coroar os melhores de uma pré-seleção. Assim sendo, as premiações de cinema vão em busca do que de melhor foi produzido durante o ano; melhores produtores, diretores, atores e técnicos. Deveria vencer aquele que apresentou um melhor trabalho, seja na categoria que for. Infelizmente, há algum tempo, o Oscar não anda acertando muito bem em suas escolhas dos melhores do ano.

O Oscar é o prêmio mais famoso do mundo, e ele é notório por ter premiado obras inesquecíveis como ”Aconteceu Naquela Noite” (1934), “E o Vento Levou” (1939), “Casablanca” (1942), “Os Melhores Anos de Nossas Vidas” (1946), “A Malvada” (1950), “Sindicato de Ladrões” (1954), “Ben-Hur” (1959), “Amor, Sublime Amor” (1961), “Lawrence da Arábia” (1962), “A Noviça Rebelde” (1965), “O Poderoso Chefão” (1972), “O Franco Atirador” (1978) e “Amadeus” (1984), entre outros. Claro que estamos falando também de uma premiação que já consagrou alguns filmes que hoje são menos lembrados ou celebrados que seus concorrentes. Para entendermos um pouco como a Academia hoje comete algumas injustiças em suas premiações, vamos analisar seu histórico de erros que vem de décadas atrás.

Em 1941, o mundo do cinema viu um jovem e talentoso diretor em ascensão chamado Orson Welles apresentar a revolucionária obra-prima “Cidadão Kane”. No Oscar, o filme de Welles obteve 9 indicações ao prêmio, mas por pressão de um magnata da imprensa que se viu negativamente retratado na obra, a Academia premiou o filme apenas na categoria de roteiro original, dando grande parte dos prêmios – entre eles melhor filme e direção – para “Como Era verde meu vale”, de John Ford. Ainda que o drama de Ford seja bonito e nostálgico, os anos mostraram que foi um grande erro o Oscar não reconhecer o brilhantismo do excepcional trabalho de Welles. E a injustiça não parou por aí, porque ao decorrer dos tempos outros filmes memoráveis perderam o prêmio principal, este indo para filmes menos célebres. Mas essa questão envolvendo “Cidadão Kane” pode ser considerado um caso isolado, porque está inserido em um contexto turbulento em sua época, com pressões massivas por parte de uma figura poderosa.

Vamos pular algumas décadas e ver o que aconteceu com o Oscar nos anos 70, década de filmes pesados e realistas. Em 1977, concorriam filmes como “Rede de Intrigas”, “Taxi Driver” e “Todos os Homens do Presidente”, produções que criticavam duramente os Estados Unidos, onde qualquer tipo de exaltação passava longe do que essas obras tinham a dizer. Mas como a Terra do Tio Sam vinha de escândalos como a derrota no Vietnã, impeachment de um presidente e conflitos raciais internos, a Academia acabou premiando “Rocky, um Lutador”, um filme que glorifica a esperança e a vitória, mesmo a obra estrelada por Sylvester Stallone sendo inferior aos 3 concorrentes citados.

Depois disso, tivemos uma série de outras injustiças:

Em 1980, “Kramer vs. Kramer” vencendo os ótimos “Apocalypse Now” e “All That Jazz”; em 1981, “Gente como a Gente” vencendo obras incríveis como “Touro Indomável” e “O Homem Elefante”; em 1982, “Carruagens de Fogo vencendo os imbatíveis “Reds” “Atlantic City” e “Os Caçadores da Arca Perdida”. O primeiro e o segundo vencedores são dramas que falam sobre a importância da família em meio a crises e separações, e o terceiro mostra como as pessoas podem ir além de seus sonhos, superando qualquer obstáculo. Enquanto isso, os “perdedores” são filmes maiores em tudo.

1990 também mostrou que a Academia ainda se rendia a dramas menores, dando o Oscar principal a “Conduzindo Miss Daisy”, ao invés de obras mais importantes como “Nascido em 4 de Julho”, “Sociedade dos Poetas Mortos” e “Meu Pé Esquerdo”.

1999 também foi um ano infeliz para o Oscar, porque eles saíram premiando quem e o que não deveria. Por mais que “Shakespeare Apaixonado” seja um bom filme, não dá para compará-lo com “O Resgate do Soldado Ryan”, o filme de guerra de Steven Spielberg que contém algumas das maiores cenas do gênero. Os prêmio de ator e atriz daquele ano são até hoje duramente criticados pelos críticos e pelo público.

Vemos aí que não é de hoje que o Oscar segue um histórico de injustiças em suas premiações, dando alguns prêmios não para filmes que mais mereciam, mas filmes que estavam inseridos de alguma forma em um contexto social, moral ou político em seu respectivo ano. Em 2006, “O Segredo de Brokeback Mountain” um filme sobre um relacionamento entre dois homens, era o mais elogiado do ano, e também o favorito ao prêmio máximo. Acontece que um filme menor chamado “Crash – No Limite” acabou sendo o grande vencedor. Lembrando que este mesmo filme foi ignorado na categoria principal por prêmios como o Globo de Ouro. O que é ainda pior é quando constatamos que os outros concorrentes (Munique”, “Boa Noite e Boa Sorte” e “Capote”) também são superiores “Crash – No Limite”.

Em 2010 e 2011 as coisas também não foram muito boas para O Oscar. O prêmio deu uma significativa decaída quando decidiu premiar “Guerra ao Terror” ao invés do favorito “Avatar” ou “Bastardos Inglórios”; “O Discurso do Rei” ao invés de “A Rede Social”, “Cisne Negro” ou “A Origem”. Nos anos seguintes, a “briga” ficou equilibrada entre os filmes indicados ao prêmio máximo: “O Artista” (vencedor) x “Meia-Noite em Paris” x “A Árvore da Vida”; “Argo” (vencedor) x “As Aventuras de Pi” x “Lincoln”; “12 Anos de Escravidão” (vencedor) x “Gravidade” x “O Lobo de Wall Street”; “Birdman” (vencedor) x “Boyhood” x “O Grande Hotel Budapeste”; “Spotlight”, vencedor que muita gente questiona, quando ganhou de filmes como “Mad Max – Estrada da Fúria” e “O Regresso”; “Moonlight” (vencedor) x La La Land; “A Forma da Água” (vencedor) x Dunkirk” x “Três Anúncios para um Crime”.

E chegamos à última edição do Oscar – que aconteceu no último domingo -. E podemos dizer que houve outra decaída, e das grandes; dessa vez não apenas com o prêmio máximo, mas também com alguns prêmios técnicos. Em 2015, muita gente reclamou que o Oscar não havia indicado nenhum ator negro ou atriz negra naquela premiação, fator este que acabou fazendo com que a Academia nos anos seguintes viesse a corrigir o erro. Se houve essa correção, por outro lado, questões como representatividade e manifestações públicas anti-Trump acabaram interferindo de forma questionável nas escolhas dos votantes. Não estão julgando mais um filme pelas suas qualidades cinematográficas, mas por sua mensagem política. Vence hoje o filme que denuncia qualquer coisa ou que está inserido em um contexto sócio-moral-político. Até a diversidade – que deveria ajudar – acaba prejudicando algumas vezes.

O grande vitorioso desse último Oscar foi “Green Book” – um filme que tenta passar uma mensagem antirracista, mas acaba se atrapalhando na própria pretensão-. Enquanto alguns aplaudem essa vitória, outros fazem duras críticas. De fato foi uma escolha duvidosa por parte da Academia, uma vez que concorrentes como “Roma”, “Infiltrado na Klan” e “A Favorita” são indiscutivelmente melhores. Além disso, alguns prêmios técnicos foram mal distribuídos.

Não sou um grande admirador de todo esse hype que fazem com “Pantera Negra”. Acho-o apenas um filme correto, sem a necessidade de tanta aclamação. Mas é uma obra que agradou a uma parte dos críticos e público, recebendo 3 prêmios no Oscar: Direção de arte, figurino e trilha sonora. Enquanto alguns dos prêmios de atuação dividiram opiniões, alguns dos maiores acertos da noite foram os prêmios de filme estrangeiro, direção e fotografia para “Roma” (todos para Alfonso Cuarón), roteiro adaptado para “Infiltrado na Klan” (de Spike Lee) e a animação “Homem-Aranha no Aranhaverso”.

Esperemos que nos próximos anos a Academia possa rever melhor seus critérios de escolhas, premiando os filmes não pelo o que eles representam naquele momento, mas por suas qualidades fílmicas e artísticas.

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