Minding the Gap (Bing Liu, 2018)
O documentário é uma expressão audiovisual utilizada para registrar o social desde o século XIX, curiosamente, o formato conquista grande parte do público pela dinâmica familiarização, pois se trata da realidade sendo desmistificada afim de transmitir uma mensagem direta. O formato é um instrumento mobilizador da sociedade, gera possibilidades de acessos tanto na compreensão, quanto criativamente, afinal, a linguagem se baseia na simplicidade do cotidiano e grandiosidade do objeto – leia-se, conteúdo a ser desenvolvido – por isso, a tecnicidade se vincula muito mais na ideia do que nos equipamentos, o que pluraliza o registro cinematográfico.
Existe uma certa linha de pesquisa, a qual a ideia de que ao registrar o objeto no gênero documentário, é como se a câmera agisse na própria realidade, distorcendo-a, transformando-a, transcendendo. Se é possível unir conceitos do cinema com aspectos da espiritualidade, no sentido de catarse, introspecção, perspectiva ampliada, jornada ao onírico etc, o gênero documentário é, portanto, o criador de tudo, é a apoteose da intenção original, a dialética perfeita entre o fascínio que a sétima arte exercia no seu princípio para a sua função social mais grandiosa. Registrar é agir no óbvio, naquilo que se foi e se perdeu(perderá).
Minding the Gap (2018) me despertou a lembrança dessas questões relacionadas ao impacto de um bom documentário, principalmente no que diz respeito ao processo criativo, pois se trata de uma obra muito particular de Bing Liu que, de forma singela, conduz uma investigação sobre a transição da juventude para a vida adulta, em base aos seus amigos e parceiros skatistas. Tanto a vivência, quanto a ideia, registro, fotografia, montagem, todos esses aspectos dialogam de modo a construir uma paisagem própria do hip hop, com o despertar de temas sérios envolvendo família que, por sinal, entra em perfeita sintonia com o exato ponto onde todos os personagens chegam à conclusão que é preciso deixar coisas importantes, principalmente momentos e estilo, para trás. Ou seja, a montagem que transita por histórias de modo dinamizado, também ilustra com perfeição o próprio estado psicológico dos jovens e circunstâncias pelas quais passam e de que modo lidam com elas. E é notável o trabalho de organização de Bing Liu, que assina tanto a direção quanto a montagem do filme.
A cultura das ruas desde a primeira cena, desperta não só a curiosidade, como a total identificação, principalmente em relação a ânsia do jovem em ausentar-se de certas dores de modo a completá-lo com “a tribo no âmbito social” que preenche o seu vazio, de modo que o proteja de si, através de uma vinculação estética. No caso, o skate, o qual serve de veículo, também é uma armadura diante o sistema social, que impõe uma padronização cuja formalidade nem sempre se adapte às características dos jovens.
Existe uma poesia caótica das ruas, uma energia que desperta empatia, os skatistas são como alienígenas percorrendo a madura, sisuda e distante plataforma urbana. À partir dessa iniciativa em percorrer a vivência das estradas e ser por ela guiado, sensibilizando pelo formato agridoce de condução, exibindo e desenvolvendo jovens enfrentando o já muito conhecido subgênero “coming-of-age”, esse documentário se difere pelo formato hip hop como já mencionado, mas principalmente pela preocupação em se atingir uma mensagem universal que envolve campos incrivelmente impactantes, como o elo familiar, sonhos cíclicos e abandono.
Como conclusão, é a síntese de emoções perdidas, refletidas e sentidas na pele; as quais a vida, com sua ironia costumeira, obriga o indivíduo a repensar pequenos detalhes da sua tão in(significante) vida, onde somente um documentário tem a magnitude de transformar um monumento de plástico em uma jóia rara. Como uma mãe que necesita reaprender a abraçar, após ter tido que aprender a ser mãe e ter, por isso, se distanciado do ser mulher e necessitar como qualquer um do toque, afeto e honestidade. Minding the Gap (2018) é uma perfeita alusão do crescimento e do amadurecimento em enxergar que afetividade começa olhando no espelho e tendo certeza que nem tudo aquilo que se sentiu, pode ser reproduzido.