Festival de Berlim 2019: Conheça os Brasileiros Selecionados
Festival de Berlim ocorre entre 07/02 e 17/02
Um dos mais importantes festivais do mundo, o Festival de Berlim, ocorre sempre no mês de fevereiro e nesse ano ocorrerá entre os dias 07/02 e 17/02. O Brasil tem um belíssimo histórico no festival, tendo sido premiado dezenas de vezes entre prêmios especiais, prêmios nas mostras paralelas a principal, Grande Prêmio do Júri, Urso de Prata e Urso de Ouro. A verdade que praticamente todos os anos o Brasil sai com pelo menos um prêmio ou então com filmes que se tornam destaques internacionais. O Festival de Berlim tem sido uma das principais vitrines internacionais para os filmes Brasileiros.
Em 2019, o Brasil estará presente com 12 filmes no Festival de Berlim em 5 mostras diferentes. Conheça abaixo os filmes selecionados e as mostras em que eles irão passar.
Competition and Berlinale Special
A principal mostra de longas do Festival de Berlim contará com a estreia mundial de Wagner Moura na direção. Marighella, é a estreia da direção do nosso eterno Capitão Nascimento. O filme é a cinebiografia de Carlos Marighella, ex-deputado, poeta e guerrilheiro brasileiro que foi assassinado pela ditadura militar em 1969. Adaptação do livro Marighella – O Guerrilheiro Que Incendiou o Mundo, de Mário Magalhães, o filme mostrará a trajetória de Marighella como opositor da Ditadura Vargas e Militar. O filme trás no elenco Seu Jorge, no papel título, Adriana Esteves, Bruno Gagliasso e Luiz Carlos Vasconcelos. Embora esteja selecionado para a mostra principal do Festival, o filme será exibido fora da competição.
Sem estreia marcada ainda no Brasil, o filme promete ser, digamos, um novo Aquarius, politicamente falando. O diretor do filme, Wagner Moura, é declaradamente de esquerda, e já declarou em entrevista ao O Globo, que seu filme não será imparcial. Inclusive o próprio diretor disse ter sofrido com boicote de empresas. A polêmica em torno do filme, inclusive já começou antes mesmo de estrear. O deputado Arthur do Val, do DEM de São Paulo, criticou o filme por sua posição política antes mesmo da estreia. Mas a questão é a seguinte, o filme pode ser de esquerda, direita, centro, diagonal, meia lua pra trás, duplo twist carpado, seja o que for, pra mim, e tenho certeza que pra todos cinéfilos, o importante é a qualidade da produção. O filme pode ter qualquer posição política, se for bem feito, se for bom, e representar bem o Brasil mundo a fora, é o que importa!
“Não tem essa de dizer que o filme é imparcial. Meu filme não será imparcial, será um filme sobre quem está resistindo” – Wagner Moura
Berlinale Shorts
Na competição principal de curtas, o destaque brasileiro no Festival de Berlim desse ano é para Rise, de Bárbara Wagner e Benjamin de Burca. A produção foi resultado de um projeto de residência concedido pelo Prêmio PIPA à artista, na Residency Unlimited, em Nova York e foi comissionado pelo AGYU (Art Gallery of York University, Toronto). O filme narra o universo musical de jovens de Scarborough, na periferia de Toronto, no Canadá. O filme investiga a trajetória desses poetas e cantores que participam de RISE, “Reaching Intelligent Souls Everywhere”, projeto do poeta canadense Randell Adjei, que desde 2012 provoca esses jovens a contar suas histórias e experiências pessoais em melodia. O movimento utiliza o conceito de edutainment (education e entertainment) para expandir o universo cultural desses descendentes de africanos e caribenhos que, muitas vezes, são marginalizados pelas origens periféricas e associados à realidade violenta e misógina.
A dupla de diretores chega ao Festival de Berlim desse ano com muita propriedade e destaque. Bárbara e Benjamin foram selecionados para o Pavilhão Brasil na Bienal de Arte de Veneza em maio desse ano. E por conta disso, ganharam grande destaque release do festival. Seu filme está entre os mais aguardados e favoritos aos prêmios na mostra de Curtas do Festival de Berlim.
Panorama
A Mostra Panorama é uma das principais e mais prestigiadas mostras do Festival de Berlim, e completa 40 anos em 2019. Conhecida por misturar experimentação formal e apelo popular, os vencedores são escolhidos pelo júri popular. A Mostra Panorama tem servido de vitrine para o cinema de diversos países, inclusive o Brasil, que sempre tem emplacado filmes na mesma. Por exemplo, Que Horas Ela Volta? de Ana Muylaert, foi premiado como melhor ficção em 2015. Este ano o Brasil terá 5 produções na disputa do voto popular, entre produções 100% nacionais e co-produções com outros países.
Um dos principais destaques é o documentário Estou me Guardando Para Quando o Carnaval Chegar, de Marcelo Gomes. O doc retrata a cidade pernambucana de Toritama, considerada um centro ativo do capitalismo local, onde mais de 20 milhões de jeans são produzidas anualmente em fábricas caseiras. Não à toa a cidade é conhecida como a ‘Capital Nacional do Jeans’. Orgulhosos de serem os próprios chefes, os proprietários destas fábricas trabalham sem parar em todas as épocas do ano, exceto o carnaval.
O documentário registra 1 ano na vida das pessoas de Toritama focando em cinco personagens até o mês de fevereiro chegar quando muitas vezes desesperados para se divertir vendem tudo o que conquistaram no ano anterior para alugar uma casa em Tamandaré durante o carnaval. Ao fim do carnaval, na quarta-feira de cinzas voltam para Toritama e recomeçam todo processo. De carnaval a carnaval o filme se propõe a analisar e refletir sobre a vida de pessoas de classes sociais e vidas bem diferentes, retratando o processo do crescimento econômico altera a vida das pessoas. E chamou a atenção da curadoria da Mostra Panorama, afinal é o único filme brasileiro a ganhar destaque no release do Festival.
Uma curiosidade sobre o filme é que o título é uma referência à música Quando o Carnaval Chegar de Chico Buarque. Um detalhe é que a ex-presidente Dilma usou a frase “Estou me Guardando Para Quando o Carnaval Chegar,” ao ser indagada em maio de 2018, sobre a possibilidade de se candidatar ao Senado. Não achei nenhuma referência ao título do filme ao que Dilma disse, mas naquela ocasião Dilma se referiu à música de Chico.
Outro destaque na Mostra Panorama é Greta, de Armando Praça. O primeiro filme do assistente de direção de Karim Aïnouz em Praia do Futuro e roteirista da série Me Chame de Bruna, conta a história de Pedro (Marco Nanini), um enfermeiro homossexual de 70 anos que é fã de Greta Garbo. Ele precisa liberar uma vaga no hospital onde trabalha para Daniela (Denise Weiberg), sua melhor amiga. Ao encontrar o jovem Jean hospitalizado e algemado por ter cometido um crime, o ajuda a fugir e esconde-o em sua própria casa até que ele se recuperar, liberando assim uma vaga para Daniela. Quando os dois começam a se aproximar de maneira emocional e afetiva, eles começam a repensar suas escolhas de vida e o futuro.
O filme que é todo ambientado em Fortaleza é a livre adaptação de Greta Garbo, quem diria, Acabou no Irajá, escrita por Fernando Melo. Greta também marca o retorno de Marco Nanini as telonas. O ator não aparecia nos cinemas desde 2010 quando estrelou A Suprema Felicidade, de Arnaldo Jabor. Como Armando Praça disse em entrevista ao jornal O Povo, Greta é um ‘filme sobre solidão, sobre a relação de personagens solitários e de como eles lida com a solidão…inserido no nordeste e no universo LGBTQ’.
“Predominantemente é um filme sobre solidão, tratando do desenrolar dessa relação e de como todos os personagens lidam com as solidões. É um tema universal, mas inserido dentro do Nordeste e do universo dos personagens LGBTQ.“ – Armando Praça
Outro filme que também estará na Mostra Panorama é Divino Amor, de Gabriel Mascaro. O filme, que estreou mundialmente em Sundance, e conquistou o público e a crítica presente no festival americano, agora quer também fazer bonito na Europa. Para saber mais sobre Divino Amor clique aqui e acompanhe #ConexãoSundance aqui no Cinem(ação).
Outro destaque nacional na Mostra Panorama é La Arrancada, o primeiro longa de Aldemar Matias. O filme é uma produção Brasil/França/Cuba e foi filmado na primavera de 2018 em Havana. O filme conta a história de Jenniffer (não a do Tinder rsrsrsrsrs), uma jovem atleta em dúvida quanto a uma possível carreira na equipe nacional de Cuba. Enquanto o irmão dela se prepara para deixar o país, a garota luta para encontrar seu lugar. Jenniffer é filha de Marbelis Rodriguez, que já tinha aparecido no documentário anterior de Aldemar, o premiado curta El Enemigo (2015), também filmado em solo cubano.
O diretor Aldemar Matias é um velho conhecido dos Festivais Internacionais. Em 2015 El Enemigo levou o Prêmio do Júri de curtas no DocumentaMadrid, um dos principais eventos de documentários da Europa. Também em 2015 o mesmo El Enemigo conquistou o Prêmio do Júri no Festival de San Sebastian. E o curta foi selecionado para o Festival Cannes em 2016. Não à toa, La Arrancada tem criado grande expectativa entre todos os profissionais do meio, afinal será a primeira vez que Aldemar se aventura em um longa-metragem.
O último filme brasileiro selecionado para a Mostra Panorama é Breve Historia do Planeta Verde, dirigido pelo argentino Santiago Loza. O filme, uma co-produção Brasil/Argentina/Alemanha/Espanha, é um drama sci-fi que conta a história de Tania, uma mulher trans que descobre que sua avó passou os últimos anos de vida na companhia amorosa de um alienígena. Juntamente com dois amigos, ela viaja pela zona rural da Argentina para trazer a criatura de volta ao seu local de origem.
O filme promete ser uma mistura bem interessante. Ele foi filmado em 35 mm e trás referências a Conta Comigo e Os Goonies e outros filmes da década de 80. Além disso, o filme trás referências a Stalker, de Andrei Tarskovski e a filmes de Michelangelo Antonioni. Trás um charme das velhas ficções científicas com direito a flashback em preto e branco. O filme pode até não ser bom, mas podemos ter certeza de uma coisa será uma experiência única e talvez até surreal. Sinceramente esse que vos escreve está bem ansioso por esse filme!
Forum 2019: Risk Before Perfection e Forum Expanded: ANTIKINO (The Siren’s Echo Chamber)
A mostra Forum e Forum Expansed é uma mostra alternativa do Festival de Berlim que preza a inovação. Essa mostra visa expandir a compreensão do que é filme, testar os limites e abrir novas perspectivas para compreender o cinema e como ele se relaciona com o mundo. A mostra inclui filmes contemporâneos, históricos, analógicos, digitais. A mostra Forum e Forum Expansed é um programa independente organizado pela Arsenal – Institute for Film and Video Art, mas faz parte do Festival de Berlim. No programa dessa mostra o que importa é a postura dos cineastas sobre o meio em que vivem e não o potencial comercial de seus trabalhos.
Esse ano as sessões especiais são intituladas “Constelações de arquivos”. E como diz o release do Festival:
“O programa principal do Fórum 2019 não se considera uma espécie de “melhor de” lista, mas reúne uma seleção de filmes que experimentam as coisas, assumem uma postura e se recusam a fazer concessões. Alguns rememoram a história do século 20, enquanto outros se concentram no que está por vir, mesmo quando permanecem ancorados no aqui e agora. Numerosos filmes tomam a palavra escrita como ponto de partida, recorrendo ou fazendo referência explícita à literatura ou trabalhando com letras, poemas e outros escritos”.
Entre os três filmes brasileiros selecionados têm A Rosa Azul de Novalis, de Gustavo Vinagre e Rodrigo Carneiro. O filme é um docudrama, sobre Marcelo um homem na casa dos 40 anos que possui uma memória fora do comum. Ele é capaz de reviver memórias familiares distantes com perfeição e diz recordar de suas vidas passada detalhadamente: em uma delas, ele foi Novalis, um poeta alemão que perseguia uma rosa azul incessantemente. No entanto, Marcelo ainda não descobriu o que persegue em sua existência atual.
O filme passou na Mostra Futuro Brasil no Festival de Brasília ano passado, e na Mostra Aurora no Festival de Tiradentes desse ano. E procura quebrar o tabu a respeito do ânus. Isso mesmo que você leu: ânus. A inspiração do filme é o ânus e o que ele representa. Conforme os diretores dizem, a partir de Marcelo, seus dilemas e suas buscas, eles pretendem chamar atenção para o ânus, tornando esse buraco, considerado obscuro, o ponto de partida para a compreensão do personagem e propor um debate sobre a homofobia.
“Colocar o ** em evidência nos parece essencial, uma vez que em 8 países o sexo anal pode levar à pena de morte e em mais de 80 países à prisão perpétua” – Diretores em entrevista ao canal Lente Escarlate no Youtube.
Outro filme na mostra Forum é Chão, de Camila Freitas. O filme é um documentário que mostra o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) realizando protestos e movimentações para pressionar o governo a aprovar uma reforma agrária que redistribuirá o território de uma usina prestes a falir. Enquanto isso um grupo de conservadores ligados a latifundiários luta para acabar com as manifestações dos ocupantes.
O documentário foi recentemente adquirido pela distribuidora FiGa Films, que tem no seu catálogo filmes de renome internacional como o documentário Bixa Travesty, de Kiko Goifman e Claudia Priscila, um dos destaques da Mostra Panorama do Festival de Berlim ano passado, e O Som ao Redor, de Kleber Mendonça Filho, um dos filmes nacionais mais celebrados internacionalmente nos últimos anos. Chão também foi um dos selecionados para a Berlinale Talents do ano passado, que visa dar espaço para artistas que estão emergindo e seus projetos, e parece que deu certo.
Outro filme que marcará presença na Mostra Forum é Querência, de Helvécio Martins Jr. O longa conta a história de Marcelo um vaqueiro que tem sua vida transformada após ser vitima de um grande assalto na fazenda em que trabalha onde levaram um grande número de cabeças de gado. Com o a ajuda de seus amigos se reconstrói para realizar seu maior sonho: o desafio de se tornar um grande narrador de rodeios.
O filme que foi gravado com atores não profissionais chamou muita atenção de produtores internacionais. Por exemplo, foi contemplado com fundos suíços do Vision Sud Est, que anualmente investe entre 10 e 50 mil dólares em seis filmes do mundo inteiro. Além de ter sido um dos 13 escolhidos para participar do World Cinema Fund do Festival de Berlim, que anualmente investe para que produções cinematográficas possam ser finalizadas. O documentário O Processo, de Maria Ramos, foi um dos beneficiados pelo fundo nos últimos anos e foi um dos pré-selecionados para o Oscar 2019. Torçamos para que o sucesso se repita com Querência.
“Trabalhar com essas pessoas que não são atores profissionais requer um processo de criação de laços de confiança mútua. A construção desta relação só é possível com bastante tempo de convivência, de trabalho, de amizade e de troca. E só assim foi possível que o Marcelo, o Kaic, o Branco, o Roni e os restantes pudessem ser dirigidos sem deixar de ser o que na verdade são. Foi um processo de generosidade que se reflete na tela.” – Helvécio Marins Jr.
O último selecionado na mostra Forum, agora na mostra Forum Expansed, é O Ensaio, de Tamar Guimarães. O filme conta a história de Isabel, uma jovem artista e diretora negra, que é convidada por uma fundação de arte contemporânea em São Paulo para apresentar um projeto. Ela então propõe uma adaptação de Memórias Póstumas de Brás Cubas, que seria encenado apenas a cena do velório. O filme retrata o ensaio para essa encenação.
A produção, que passou na Bienal de São Paulo ano passado, através da obra de Machado de Assis faz uma crítica a pigmentocracia, ou seja, a discriminação por cor comum em estados anteriormente escravocratas, e a misoginia, ou seja, o ódio a mulheres, conforme a própria diretora mineira disse em entrevista ao site Select. O filme, que foi comissionado pelo museu espanhol Reina Sofia, causou discussão sobre racismo e machismo na Bienal de São Paulo, agora também quer ganhar o mundo e levar essa discussão para onde ela deve estar. Em especial em uma sociedade onde assassinatos de mulheres como Marielle Franco, continuam sem solução. E pior ainda, continuam a acontecer.
“A gente vive numa misoginia e numa pigmentocracia. Embora a mestiçagem esteja em todo lugar, a pigmentocracia também está refletida em todo lugar” – Tamar Guimarães
Generation 2019: Giving the Oppressed a Voice
O último filme brasileiro há passar esse ano no Festival de Berlim estará na mostra Generation. Essa mostra dá espaço para filmes com temáticas juvenis, que refletem temas sócio-políticos fundamentais para os jovens, dando eles uma voz no mundo adulto. E muitos dos jovens retratados nesses filmes, são jovens que têm de tomar decisões radicais, sem voltar atrás. E esse é o caso do representante brasileiro: Espero Tua (Re)volta, de Eliza Capai.
Espero Tua (Re)volta é um documentário que aborda as os movimentos estudantis que ganharam força a partir de 2015 quando jovens passaram a ocupar escolas estaduais em todo o Brasil. Acompanhando três jovens do movimento e com imagens de arquivo de manifestações desde 2013, o documentário tenta compreender as ocupações e as suas principais pautas a partir do ponto de vista dos estudantes envolvidos.
O filme teve seu trailer divulgado veja abaixo:
É isso aí galera, esses são os 12 filmes Brasileiros que estarão no Festival de Berlim desse ano. Infelizmente a maioria desses filmes não chegará ao circuito comercial, e talvez nunca tenhamos o privilégio de assistir a maioria deles. Essa é a nossa realidade né? O cinema nacional não é reconhecido pelos seus conterrâneos, apenas pelos estrangeiros. Enquanto tivermos a síndrome de inferioridade, ou seja, pensarmos que filme brasileiro é ruim, as obras autorais, como a maioria dessas, ficarão restritas aos Festivais e aos circuitos alternativos. Mas quem sabe algum serviço de streaming não compra os direitos de um desses filmes? Vamos Aguardar.
O Festival de Berlim ocorrerá entre os dias 07 e 17 de fevereiro. Vamos ficar na torcida por nossos representantes, afinal fazer filme no Brasil não é nada fácil!
Para saber mais acesse o Site oficial do Festival de Berlim.