Crítica: Green Book: O Guia
“Green Book: O Guia” diverte e faz rir especialmente em função do ponto de vista que apresenta a história.
Ficha técnica:
Direção: Peter Farrelly
Roteiro: Nick Vallelonga, Brian Hayes Currie, Peter Farrelly
Elenco: Mahershala Ali, Viggo Mortensen, Linda Cardellini, Dimiter D. Marinov.
Nacionalidade e lançamento: EUA, 2018 (24 de janeiro de 2019 no Brasil)
Sinopse: Um ítalo-americano que trabalha como segurança em uma casa noturna se torna o motorista de um pianista clássico afro americano em uma turnê pelos estados do sul do país nos anos 1960.
Quando Steve McQueen dirigiu a história de Solomon Northup em “12 Anos de Escravidão“, conseguiu mostrar o choque de um homem negro, educado e com bom padrão social, ao ser confundido com um escravo e enviado a uma fazenda do sul dos Estados Unidos.
O que o diretor Peter Farrelly faz em “Green Book” é algo parecido, mas aqui o choque do educado e rico pianista Don Shirley – em uma história também baseada em fatos – se dá nos anos 1960, quando os estados do sul dos Estados Unidos ainda viviam a política de segregação racial. Composto de maneira cuidadosa e delicada por Mahershala Ali, o personagem tem uma grande diferença em relação ao que foi vivido por Chilwetel Ejiofor: ele não é o protagonista. O protagonismo de Green Book é de Viggo Mortensen, que dá vida a Tony Villalonga, homem que trabalha como “faz tudo” em casas noturnas de Nova York e, como fruto de seu tempo, era racista.
Ao aceitar ser motorista (e também um faz-tudo) do delicado músico criado em ambiente elitizado, Tony precisará confrontar seus preconceitos por meio de uma amizade improvável. É nesse detalhe que está a “chave” para compreender Green Book: o protagonista é branco.
Ainda que não abandone de vez a comédia, Farrelly está em seu projeto mais sério, e consegue equilibrar os tons de drama e risos que o filme exige. Este é, talvez, seu principal mérito. A história de Green Book se torna cativante porque nos faz rir mesmo diante de situações horríveis, e porque nos afeiçoamos aos personagens principais e suas trajetórias.
A construção gradativa da relação entre os dois personagens se dá de forma orgânica e com as típicas mudanças de cenário que um road movie permite. É uma pena, portanto, que o mesmo não possa ser dito sobre a explicação que o roteiro dá para o comportamento do personagem de Mahershala. Ao se preocupar em dar explicações demais, ele certamente empobrece as possíveis interpretações do espectador.
“Green Book” continua sendo um filme excelente, e se levar algumas estatuetas do Oscar não será injusto. Mesmo assim, o momento em que Don Shirley se exalta (debaixo de chuva, afinal é preciso de um lugar-comum) poderia ter ganhado uma construção um pouco menos acelerada, ou ao menos apresentado algum resultado mais efetivo na trama. Outro ponto merecedor de críticas é a presença do personagem Oleg, que parece conversar com Tony apenas em momentos muito específicos, nos quais ele precisa dissertar sobre os sentimentos do personagem. O problema se torna ainda mais grave quando pensamos de um ponto de vista social: será que precisamos de mais uma obra audiovisual na qual brancos falam por negros?
Ainda que seu final feliz seja um alento de esperança e algo necessário para muitos, sua simplicidade também é sintomática do ponto de vista da história: dirigido e escrito por pessoas brancas (incluindo o filho do verdadeiro Tony Vallelonga), o longa apresenta uma visão muito diferente daquela apresentada em “Infiltrado na Klan” de Spike Lee, filme tecnicamente superior e tematicamente mais importante, capaz de incomodar com sua visão mais pessimista sobre o racismo e as relações de poder na sociedade americana. “Green Book” é divertido, interessante e extremamente carismático. Mas se o filme ganhar mais prêmios que o longa de Spike Lee, será igualmente sintomático das relações raciais na sociedade, da branquitude ainda majoritária na Academia, e de um fato indiscutível: é mais fácil ser otimista quando se é branco.
Summary
“Green Book” continua sendo um filme excelente, e se levar algumas estatuetas do Oscar não será injusto. Mesmo assim, o momento em que Don Shirley se exalta poderia ter ganhado uma construção um pouco menos acelerada, ou ao menos apresentado algum resultado mais efetivo na trama.