Crítica: Culpa (Den skyldige, 2018)
Culpa é o concorrente da Dinamarca ao Oscar de Filme Estrangeiro (ele está classificado entre os 9 que disputarão as 5 vagas finais). O longa se passa todo em um único ambiente, uma central de atendimento de emergência da polícia (uma espécie de 190 dinamarquês). Acompanhamos o tempo inteiro o policial Asger Holm (Jakob Cedergren), até que uma peculiar ligação movimenta o filme, a vida daquele homem e a nossa atenção.
As primeiras ligações servem como um tutorial para o público ao apresentar a personalidade do nosso protagonista e como a dinâmica do filme vai funcionar. Esse momento é importante para termos um alívio inicial (já que depois é só tensão) e para o personagem crescer – seja potencializando o que foi mostrado, seja desvirtuando aquela persona.
Asger está lá naquele cargo desviado da real função, ele é um policial de rua. O motivo dele estar ali é revelado ao longo do filme e justifica um pouco da personalidade ás vezes áspera.
Ao contrário de outros filmes de polícia e ladrão, temos aqui uma ação contida, já que tudo se desenrola a partir das ligações. Mas o texto, montagem e atuações em Culpa são tão poderosos que ficamos na ponta da cadeira mais vezes que muitos que usam de explosões como única ferramenta…
Incrível como temos basicamente um texto expositivo (que funcionaria muito bem em um teatro e/ou livro) e que, portanto, poderia ser “errado” aqui. Mas aqui Gustav Möller (diretor e corroteirista, em ambos ele estreia na função em longas) faz tudo fica certo.
Pequenos movimentos explicam este fenômeno. Por exemplo, o personagem muda de mesa em um determinado ponto da história. A mudança tem sentido narrativo e permite uma ou outra estripulia. A luz vermelha das ligações ou até mesmo o fone do trabalho/telefone celular criam uma tensão que extrapola a linguagem teatral/livresca.
Os planos, em geral fechados, colocam o espectador quase que dentro daquela claustrofobia. A sensação de impotência de Asger Holm, ao passo que ele é praticamente a única esperança de quem está do outro lado da linha, causam um sentimento dúbio que move a trama.
E por falar nela, algumas informações que vão sendo postas permitem que as reviravoltas sejam naturais – eu até antevi alguns momentos-chaves, mas ao invés de ficar decepcionado, fiquei satisfeito, pois o filme me deu aquelas informações e não foi apenas um deus ex machina.
E temos que falar de Jakob Cedergren. O ator precisa transitar por tantos sentimentos (dele e dos personagens que ele interage) que seria aceitável escorregar aqui ou acolá. Mas vemos exatamente o oposto. As reações e não reações dele nos contam o filme. Sentimo o peso da situação muito graças à frieza, entrega e sentimentos de Cedergren, que tem pouco material para trabalhar, mas o faz com maestria.
Culpa usa um recurso interessante para nos fechar (ainda mais) no mundo daquele personagem. Diante de tantas informações pesadas que ele recebe, a reação de ficar absorto nos próprios pensamentos não é de se estranhar. Essa ferramenta é usada corretamente e nos momentos precisos, sem abuso.
Sobre o Oscar, fica até complicado comparar as ambições de um Assunto de Família (Japão), Em Chamas (Coreia do Sul) e principalmente Roma (México) com este. Mas sem culpa dou uma nota maior para o dinamarquês que para aqueles concorrentes.