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“Você”: Entre a Obsessão e o Descontrole

Recentemente, séries, filmes e livros tem se debruçado em temáticas virtuais mostrando o alcance de tecnologias como redes sociais, inteligência artificial e realidade virtual. Um exemplo disso foi o filme “Nerve: Um Jogo Sem Regras” de 2016, dirigido por Henry Joost e Ariel Schulman, baseado no livro homônimo da escritora Jeanne Ryan. No filme e no livro, Vee, uma estudante em busca de aceitação entre os amigos, decide participar do jogo online Nerve, que faz desafios reais e perigosos aos seus jogadores. Porém, o jogo toma um rumo assustador colocando em risco a vida de Vee e de seus amigos. O filme aborda os perigos de uma rede que permite monitoramento em tempo real de suas atividades.

Outra obra que aborda o tema, mas por outro viés é “Buscando…” de 2018 dirigido por Aneesh Chaganty. O filme mostra um pai viúvo que ao se deparar com o desaparecimento da filha, utiliza-se da redes sociais para encontrar pistas de seu paradeiro. Aqui a tecnologia é utilizada para fins uteis apesar de haver sim, críticas às redes sociais e em como elas desvirtuam a realidade moldando-a conforme os interesses das plataformas utilizadas. Essa premissa já nos aproxima mais da obra analisada: “Você“, série Original Netflix e produzida por Greg Berlanti e Sera Gamble.

Em “Você“, Joe, é um gerente de livraria que se envolve com uma de suas clientes, uma jovem chamada “Beck”. Porém, o que seria uma história de amor se transforma em um thriller sobre a obsessão de alguém que utiliza-se das redes sociais para “stalkear” a pessoa amada. Joe invade os perfis de Beck, segue-a pelas ruas, vigia suas amigas tudo sob o pretexto de buscar protege-la de um mal maior e é aqui temos o primeiro grande acerto da série. Ao colocar Joe como um “protetor”, a série mostra o quanto a obsessão é capaz de cegar a pessoa obcecada. Joe não é stalker apenas por querer ser stalker. Na sua cabeça doentia, há uma razão, que ele a mantem até o último episódio, para justificar suas ações.

Porém essa razão por detrás de seus atos só se tornaria sustentável se a víssemos se concretizando dentro da história, o que acontece quando é inserido na história o jovem Paco, vizinho e filho de mãe viciada e de um padastro abusivo. Paco se torna uma espécie de protegido de Joe servindo como elemento de conexão entre o seu espírito protetor e o obsessivo. Sem esse personagem, talvez não tivéssemos razão para acreditar que Joe realmente acreditava ser um protetor para Beck. Há momentos onde o próprio Joe verbaliza sua preocupação no caso de Beck estar sendo perseguida por alguém. Isso traz camadas a um personagem que sem isso seria apenas um cara facilmente odiável. Mas nem tudo é tão sem resolvido em “Você“.

A inserção do personagem Paco foi um dos maiores acertos da série ao trazer camadas a um personagem facilmente odiável

Se por um lado temos elementos fundamentais para dar camadas ao personagem, diálogos expositivos, personagens vazios e uma forçada e exagerada narração em off (quando o personagem verbaliza seus pensamentos com o espectador) subestima a capacidade do público em se atentar aos detalhes da trama sem necessidade de explica-la. Tudo é verbalizado, até situações irrelevantes como vontade de usar o banheiro ou um sonho que foi mostrando em tela. Desta forma, um recurso que serviria para nos colocar mais próximo do personagem e assim entender como ele pensa acaba por deixá-lo desinteressante pois sabemos demais o que ele pensa e como ele agi. Quando acontece algo diferente, logo torna-se “rotina” criando um padrão de ações que se repetem durante a história.

Outro problema na série é tentar escalonar as complicações nas ações de Joe, porém, a falta de consequências reais tornam as ações sem peso dramático pois independente do que aconteça, o resultado acaba sendo o mesmo. Há momentos em que as ações de Joe mais parecem piadas sobre sua condição abusiva e tudo se torna ainda mais caricato quando é inserida na história a amiga de Beck, a ricaça Peach, uma espécie de “Kardashian” que disputará com Joe a atenção de Beck. Mostrar que a obsessão pode vir tanto por parte de um namorado quanto por parte de uma amiga é uma ideia interessante, mas na prática, virou uma disputa por atenção onde a comicidade (intencional ou não) vem do fato de “lermos a mente” de Joe enquanto falsamente tenta ser amigo de Peach. Todas as resoluções desta disputa são no mínimo mal trabalhadas. A ausência da polícia nessa e em outras resoluções é algo que chama a atenção. Como todo mundo encontra todo mundo, menos a polícia?

Porém, meu maior medo era a série banalizar ou pior ainda, romantizar o ato de “stalkear” e por alguns momentos ela flertou com isso, mas ao final se sai razoavelmente bem nesse sentido. “Você” retrata o quão nocivo por ser uma rede social e como pessoas as utilizam para controlar as vidas uma das outras, mas simplifica demais colocando o tema apenas sobre o ponto de vista romântico de um relacionamento. Talvez nunca tenha sido a pretensão da série se aprofundar no tema, o que é uma pena pois há material a ser explorado. Quem sabe na segunda temporada teremos uma profundidade real na temática. Ficamos no aguardo.

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