Crítica: A Favorita (The Favourite, 2018) – Mostra Internacional de Cinema de São Paulo
“A Favorita” venceu o prêmio especial do júri e o prêmio de Melhor Atriz (Olivia Colman), ambos no Festival de Veneza. O filme foi exibido na abertura da 42ª edição da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo (SPIFF)
Ficha Técnica
Direção: Yorgos Lanthimos
Roteiro: Deborah Davis, Tony McNamara
Elenco: Olivia Colman, Emma Stone, Rachel Weisz, Nicholas Hoult, Joe Alwyn, Mark Gatiss
Nacionalidade e Lançamento: EUA, 2018 (24 de janeiro de 2019 no Brasil)
Sinopse: No início do século 18, a Inglaterra está em guerra com a França. A frágil rainha Anne ocupa o trono, mas é sua amiga lady Sarah que governa o país. É quando chega à corte uma nova e ambiciosa serva, Abigail. A novata acaba se aproximando da monarca, e a amizade crescente entre as duas desperta a ira de Sarah —mas Abigail não vai deixar ninguém atrapalhar seus objetivos.
O diretor Yorgos Lanthimos, em suas obras, sempre adotou a absurdez como o principal fator motivacional e condutor de suas histórias. Em “Dente Canino”, filme o qual chamou muita atenção por esse aspecto, aborda uma família que mantêm seus filhos isolados em uma casa envolvida por uma cerca que os distanciam totalmente do resto do mundo. Em “O Lagosta”, seu trabalho mais conhecido até então, retrata uma sociedade a qual as pessoas não podem ser solteiras, e caso sejam, são enviadas a um hotel para encontrarem um parceiro, se não encontrarem alguém, são obrigadas a escolherem um animal para se transformarem e logo são jogadas na floresta. Em “O Sacrifício do Cervo Sagrado”, retrata um doutor o qual tem uma relação curiosa com um adolescente que resolve planejar uma vingança contra ele, porém feita de uma forma não muito convencional. Agora, com a “A Favorita”, o diretor lida com uma biografia a qual parece não haver espaço para sua extravagância, mas de imediato Lanthimos consegue nos provar o contrário através da história de uma rainha e duas outras mulheres que a servem.
No século 18, acaba de ser coroada a rainha Anne (Olivia Colman) e a Inglaterra está em guerra com a França. Despreparada para o cargo e impossibilitada de fazer muito devido a problemas físicos e emocionais, a rainha sempre recorre à Sarah Churchill (Rachel Weisz), sua leal amiga, a qual supre suas necessidades e fica responsável por resolver os principais problemas que o país enfrenta em seu lugar. Entretanto, com a chegada de Abigail Masham (Emma Stone), os ânimos se estremecem na corte devido o contato que ela estabelece com a rainha e seus subordinados, assim, Sarah se irrita profundamente com a presença da nova criada.
Trata-se de um triângulo de personagens com motivações e naturezas bem distintas umas das outras. Anne, além das impossibilidades apresentadas como rainha ainda se mostra uma figura meticulosa com problemas de autoestima em relação a sua aparência e como é vista pelos outros membros da realeza, sempre subestimada por todos os seus subordinados. Sarah é a pessoa a qual a rainha mais confia e a mais leal também, tal posição é alcançada devido sua sinceridade e a relação mais íntima que as duas possuem. Já Abigail, é sempre tratada por todos com desprezo e insignificância, sua chegada já causa desconforto no palácio mas através de algumas ações consegue aos poucos ser afeiçoada pela rainha. E estas duas últimas buscam algo além da confiança de sua alteza.
As três personagens ganham vida através de performances magníficas. Com destaque para Olivia Colman, a qual é responsável pelos momentos mais hilários do filme e ainda oferece várias camadas sobre sua própria história, exibindo perfeitamente a dependência de Anne e todos os seus conflitos. Emma Stone, no melhor momento de sua carreira e após sua ainda recente vitória como melhor atriz no Oscar por “La La Land” ainda compondo personagens incríveis como Billie Jean King em “Guerra dos Sexos” e Annie na minissérie da Netflix “Maniac”, eleva seu carisma e compõe Abigail como uma personagem destemida a qual luta para fugir de um passado cruel. Por último, mas não menos importante, temos Rachel Weisz assumindo a figura suntuosa que se exige no cargo mais alto da realeza, a qual Sarah precisa transparecer em omissão a esse aspecto em Anne. Os homens da trama os quais ganham destaque no longa são aqueles interpretados por Nicholas Hoult, com uma maquiagem que o deixa irreconhecível por trás de Robert Harley, e Joe Alwyn, interpretando o jovem Samuel.
Com um roteiro eficaz (dessa vez sem a colaboração de Efthymis Filippou, conhecido por contribuir com os trabalhos de Lanthimos), que transita perfeitamente entre o drama e a comédia, a trama é dividida em cerca de oito capítulos que representam diferentes fases das vidas de Anne, Abigail e Sarah, cada um com o objetivo de explorar o jogo que as três mulheres fazem entre si, oferecendo também alguns momentos de tensão e profundidade emocional. Isso nos leva a excelente trilha sonora sustentada por agudos para criar os momentos de suspense e uma orquestra aguçada composta por Komeil Hosseini.
Como citado no início, essa história se adéqua perfeitamente às características de direção dos trabalhos de Yorgos Lanthimos, os diálogos crus, a natureza desumana dos personagens, a submissão das mulheres e outras particularidades são marcas aparentemente inevitáveis em seu estilo e essas características estão presentes o tempo todo na história do reinado de Anne.
Nesse quesito é importante ressaltar também a qualidade visual criada entre a fotografia de Robbie Ryan, conhecido por seus trabalhos com a diretora Andrea Arnold (Docinho da América e O Morro dos Ventos Uivantes), que aqui calibra a luz perfeitamente fazendo com que ela não adentre totalmente nas facilidades do palácio onde se passa grande parte do filme e criando planos magníficos com o uso de luz natural através do fogo de velas e frestas na janelas que permitem apenas alguns feixes penetrarem os cômodos, a direção de arte de Fiona Crombie, a qual representa com excelência a atmosfera da realeza inglesa no século 18, e os mais diversos figurinos de Sandy Powell. Com esses três elementos combinados, o longa passa a ser visto como um espetáculo visual.
Com uma série de acontecimentos os quais nos fazem questionar se tais ações realmente chegariam a acontecer numa realeza, “A Favorita” é eficiente em conseguir criar expectativa, risos e ainda oferecer um espetáculo visual que aborda o limite da moralidade de um triângulo de personagens ancorado por performances espetaculares de Olivia Colman, Emma Stone e Rachel Weisz.
Resumo
Em seu melhor trabalho na direção até então, Yorgos Lanthimos não hesita em acrescentar suas caraterísticas estilísticas e narrativas por dessa vez ter que lidar uma história real em “A Favorita”, e mesmo assim o resultado garante um grande espetáculo sendo também sustentado por atrizes como Olivia Colman, Emma Stone e Rachel Weisz entregando excelentes atuações.