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Cinema Mundial

Mostra de São Paulo 2018 começa com tom político cauteloso

A coletiva de imprensa da 42ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo ocorreu na véspera do domingo de uma das eleições mais conturbadas do país. Como todo evento cultural, a Mostra sempre traz à tona o momento político. Política e cultura são indissociáveis, afinal de contas. Diversos assuntos foram tocados, ainda que todos com a cultura e o cinema em primeiro plano. Vale destacar, a título de conhecimento histórico, que a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo foi criada em 1977, quando o Brasil ainda era governado por uma Ditadura Militar. Na época, o Jornal do Brasil chegou a escrever que o evento era o único lugar do Brasil em que as pessoas tinham o direito de votar.

A 42ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo ocorre de 18 a 31 de outubro de 2018. Serão exibidos mais de 300 títulos de variados países e diversas cinematografias. Os filmes serão apresentados em mais de 30 espaços entre cinemas, espaços culturais, museus e espaços ao ar livre espalhados pela capital paulista e outras cidades do interior e do litoral.

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A luz no fim do túnel

Logo nos primeiros momentos, a diretora da Mostra, Renata de Almeida, chamou os parceiros de mesa de “luz no fim do túnel”, em alusão clara a duas coisas: ao tema da vinheta criada para este ano, que mostra a instalação de realidade virtual Chalk Room, da artista Laurie Anderson, com uma luz vinda de uma porta; e obviamente a acontecimentos recentes que ameaçam a democracia no país.

 

O Secretário de Cultura da cidade de São Paulo, André Sturm, falou sobre o Mercado de Ideias, um espaço de negociação voltado para projetos e ideias, diferente do que é comum na maioria dos festivais, onde se estimula a negociação de projetos já em andamento. Além disso, o secretário também enalteceu a lei que estimula a produção nacional na TV a cabo, e defendeu que o mesmo seja feito para serviços de streaming, como a Netflix, destacando a recente lei europeia que obriga estes serviços a terem 30% de conteúdo europeu. “E aqui a gente está querendo discutir que eles tenham que apenas investir uma parte na produção independente daqui”, completou, pedindo que a imprensa abrace a causa.

 

Rosana da Silva, do Sesc São Paulo, destacou a itinerância que a instituição oferece aos filmes. Serão mais de 100 exibições em 4 unidades: no CineSesc, no Sesc Belenzinho, Campo Limpo e Osasco. É o Sesc que vai exibir trabalhos de realidade virtual e a instalação de Laurie Anderson que estampa o pôster do evento deste ano. Além disso, o Sesc também leva mais de 100 exibições de filmes ao interior e litoral: Araraquara, Bauru, Campinas, Jundiaí, Piracicaba, Ribeirão Preto, Santos, São Carlos e São José dos Campos.

 

Rodrigo Diullas, da Petrobras, valorizou o prêmio Petrobras, que dará R$100 mil reais em distribuição para o filme que for eleito como Melhor Documentário, e R$200 mil ao vencedor do prêmio de Melhor Ficção.

 

Claudiney Ferreira, do Itaú Cultural, foi quem roubou a cena e emocionou com o discurso mais acalorado. Enquanto todos os outros membros da mesa parabenizaram a realização de mais uma Mostra neste ano, ele parabenizou o futuro. “Eu quero parabenizar as próximas edições da Mostra de São Paulo. Eu não sei como, eu não sei o que vai acontecer com o Brasil, mas eu tenho certeza que a Renata e a equipe dela vai colocar de pé uma Mostra no ano que vem e nos próximos anos”, afirmou. Para ilustrar seu pensamento, contou que o taxista que o levou ao local não sabia que havia cinema na Rua Augusta. “O [taxista] de hoje, 30 anos de chofer de praça, não sabia que tinha cinema na Rua Augusta”, relatou. “Eu acho que uma coisa tem relação com a outra. A gente é muito responsável por um trabalho de não lidar ou falar apenas para convertidos”, completou.

 

Representando a CPFL, estava Mario Mazzilli, que valorizou o patrocínio e a aproximação de realizadores do audiovisual. “Patrocinar ou apoiar aqui é ao mesmo tempo aprender com o que tem de melhor da produção internacional e local”. Campinas também terá programação da Mostra na CPFL Cultural.

 

Mauricio Ramos, da SPCine, falou sobre as salas que vão exibir os filmes da Mostra, e destacou como a SPCine vai correalizar o mercado de ideias audiovisuais. “Vamos tentar aproximar produtoras e projetos brasileiros para coproduções internacionais e coproduções regionais”.

 

Debates necessários

Ao falar sobre os filmes que homenageiam os 200 anos de Karl Marx, Renata de Almeida brincou. “Tempo conturbado para fazer algo sobre o Marx”. Ao falar de um filme que debate o sentido das teorias marxistas quando não se tem oferta de trabalho para as pessoas, Renata destaca algo fundamental. “Isso não quer dizer que a gente ache isso ou aquilo”, afirma. “A Mostra tem que ser um espaço de discussão, de lugar que as pessoas podem falar, podem pensar, e não sejam apedrejadas por isso”, completa. “Não é uma questão de você ser a favor ou contra qualquer teoria, é você ser a favor da liberdade, o direito de falar, e contra uma cultura de linchamento”. Em seguida, ela fala do novo filme do Lars von Trier, cineasta que já fez declarações no mínimo polêmicas e foi muito criticado por isso. “Eu não tenho problema se alguém quer vaiar, se alguém quer bater panela, mas depois que a pessoa fala”, completa, criticando o que ela chama de “macarthismo com revolução cultural”, já que as pessoas criticam o autor antes de ver o filme até o final, como se escolhessem um “linchado da vez” – prática comum em grandes festivais, como o de Cannes.

 

Logo em seguida, ela emenda o assunto em Woody Allen. “Eu acho assustador, pensando em arte, que tenha um filme do Woody Allen pronto e que não seja lançado, eu sou mulher e eu acho revoltante”, explica sob aplausos. “Eu sou mulher, sou feminista, mas não sou investigadora, não sou policial, e não sou juiz. O que me interessa é o cinema, e o cinema não é o trabalho de uma pessoa, é de várias pessoas”, completa.

 

Sobre dinheiro

Perguntada sobre dificuldades com patrocínios e dinheiro para a realização do evento deste ano, Renata falou que houve um corte no orçamento, mas que não chora por isso. Afirmou que faz com que o resultado do pouco dinheiro chegue o menos possível ao público, reduzindo coisas como passagens e buscando pequenos apoios que eram comuns na Mostra no começo, lembrando que a terceira edição na qual trabalhou foi no Plano Collor. “Nunca foi fácil”.

 

Sobre a Lei Rouanet

Ao falar sobre dinheiro, a diretora da Mostra de Cinema de São Paulo falou sobre as críticas infundadas que usam termos como “mamando na Lei Rouanet”. “Na Mostra, antes da Lei Rouanet, os filmes não tinham legenda em português, era tudo legendado em inglês, e quando você encontrava legendado em espanhol, era uma festa”. Renata conta que a Lei Rouanet possibilitou que os filmes chegassem a mais pessoas, e que os que trabalhavam na Mostra eram pessoas que não recebiam, e que hoje elas ganham pelo trabalho que fazem. E acrescenta que a Mostra hoje trabalha com ONGs pra refugiado, por exemplo. “Você dá mais chance de chegar às outras pessoas, e de inserir pessoas no mercado de trabalho”, completa, defendendo as leis de incentivo. “Onde não teve caso escabroso no país ultimamente? Por que, na cultura, um caso escabroso vira um grande escândalo?”, questiona.

 

Sobre a questão Netflix X Festivais

Foi falado sobre a questão do embate que se iniciou no Festival de Cannes, com a proibição de filmes de serviços de Streaming. Como a Mostra de São Paulo vai encerrar com o longa “Roma”, de Alfonso Cuarón, que venceu o Festival de Veneza e é da Netflix, a discussão se faz necessária. “Eu acho que o grande problema para o circuito exibidor é a pirataria, muito mais do que Netflix ou qualquer plataforma”, afirma, criticando que até pessoas que trabalham com cinema e baixam filmes. Ela fala que a questão de o cinema ser caro é um ponto importante, e critica a mentalidade de que o exibidor é o vilão. “Mas o exibidor tem aluguel pra pagar, tem funcionário pra pagar no final do mês, e a produção você começa a produzir se tem dinheiro”. Ela destaca que um filme como Roma foi produzido pela Netflix e ainda dá dinheiro para os distribuidores, destacando que são os filmes pequenos que perdem com a pirataria, e reforçando que o que atrapalha o circuito exibidor é algo mais profundo e mais amplo, como os preços e outras questões, incluindo a pirataria.

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