O mea culpa de "13 Reasons Why" 2ª Temporada | Crítica | Netflix
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O mea culpa de “13 Reasons Why” | 2ª Temporada

me·a·-cul·pa
s.m (latim mea culpa, por minha culpa)
Confissão da própria culpa.

 

Há um pouco mais de um ano atrás, a primeira temporada da série original da Netflix “13 Reasons Why” levanta discussões entre espectadores da série, pais, professores, psicólogos e demais profissionais da saúde acerca de depressão, bullying e suicídio. Inclusive temos no Cinem(ação) um podcast todo voltado ao tema e que vale conferir caso não o tenha feito ainda.

 

Um dos assuntos que a série levantou é o que a psicanálise chama de Efeito Werther, que é quando uma personagem ao cometer suicídio acaba servindo de inspiração para que outros façam o mesmo. Esse nome surgiu de uma obra de 1774 chamada “Os sofrimentos do jovem Werther”, que mostra de forma muito realista um jovem cometendo suicídio motivado por um amor proibido. Na época, esta história desencadeou numa série de suicídios inspirados no personagem. Essa discussão repercutiu tanto que é provável que tenha levado os produtores da série a reavaliarem a forma como a série aborda o assunto. Isso fica muito evidente na maneira como a produção passa a abordar o assunto do suicídio e outros temas. Para que entendamos tais mudanças, separaremos este texto em 3 partes.

 

I – Vingança x Vítima

Uma das repercussões da 1ª temporada de “13 Reasons Why” foi a maneira na qual a série representou a vítima de um suicídio, no caso Hannah Baker (Katherine Langford). Para muitos psicólogos, a produção romantiza o suicídio e utiliza-se do mesmo como forma de vingança e justiça.

 

“Ao assistir a série, a gente não torce para a menina não se matar (afinal, sabemos que se matou). A gente torce pra que os responsáveis pela miséria dela sofram, se sintam culpados, sejam responsabilizados. A ideia das fitas parece brilhante: é a morte como vingança. “Me fizeram sofrer, não aguento mais… eu vou, mas eles vão junto”. Em outras palavras: é o suicídio romantizado”
– Airi M. Sacco, professora de psicologia.

 

Entretanto, nesta 2ª temporada a série tenta além de mudar esse foco, confronta a própria personagem acerca dos reais motivos das polêmicas fitas. Apesar de usar um recurso pobre e por diversas vezes inverosímel em seu contexto, a presença espectral de Hannah Baker permite que Clay (Dylan Minnette) possa afrontar as motivações da jovem. A escolha dessa presença fantasmagórica se mostra desnecessária no momento em que pouco tempo depois, os próprios alunos debatem entre si o que representava as fitas e por consequência o suicídio de Hannah. Esse importante confronto corresponde aos próprios questionamentos que a série sofreu na temporada anterior, e utilizar a própria produção para responde-los foi uma interessante opção apesar da infeliz escolha do “fantasma”.

 

Outro mea culpa que a 2ª temporada de “13 Reasons Why” traz, envolve não retratar a vítima do suicídio como uma heroína. Se antes Hannah é abordada como vítima de todos os tipos de abusos possíveis e que tem sua redenção com no suicídio, agora esse heroísmo seguido de vingança cai por terra, expondo que os problemas da jovem iam muito além da escola e seus colegas.

 

A série utiliza espaços temporais não aproveitados da primeira temporada, como por exemplo um período de férias escolares, para se aprofundar nas relações de Hannah com seus pais e colegas. É um recurso simples mas que justifica uma segunda temporada. Além da própria Hannah, outros personagens são aprofundados nessas lacunas não aproveitadas. Dois bons exemplos desse aproveitamento está no personagem Zach (Ross Butler), e Justin (Brandon Flynn) que têm interessantes arcos que movem a história. Outros como Sheri, Courtney, Ryan, Skye e até os pais de Hannah têm um certo arco, mas que não leva a lugar algum além inchar a série que poderia economizar uns 3 episódios sem a presença excessiva deles.

 

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O excesso de personagens deixa a série longa e enfadonha em diversos momentos.

 

II – Abuso

Na temporada anterior, o foco da série estava nos abusos de todos os tipos sofridos por Hannah, e nos episódios finais, por Jéssica (Alisha Boe) que agora ganha mais espaço e comprova ser disparado a melhor atriz com o melhor personagem da série. Diferentemente da temporada anterior onde o abuso foi abordado apenas para legitimar o sofrimento de Hannah, agora o tema é melhor explorado mostrando diversas facetas como o medo das vítimas diante do agressor, o poder psicológico que o abusador tem sobre a vítima, o preconceito e desconfiança que a vítima carrega, a culpabilização com o estigma falacioso do “estava lá é por que gosta” e as dificuldades de recuperação emocional de quem sofre esses abusos.

 

Jéssica tem o arco mais bem explorado, envolvendo praticamente todos os demais personagens da história (exceto aqueles que nada tem a acrescentar como dito anteriormente). Seus dilemas diante dos eventos da temporada anterior mostram a profundidade do tema e como ainda estamos longe de termos uma sociedade unida contra tais abusos.

 

III – Machismo Estrutural

Aqui reside uma das mais agradáveis surpresas dessa temporada. A série opta inteligentemente por desconstruir aquele ideal de herói e heroína. Apesar da primeira temporada mostrar que de herói Clay não tem nada, agora a série mostra que muito de suas falhas não vem somente do fato do garoto ser introvertido. O jovem retrata garotos falhos nascidos em uma estupida cultura machista. Há uma cena bem curta (leve spoiler), porém emblemática, onde Clay expõe para Justin seu descontentamento por saber que Hannah era sexualmente ativa. Justin argumenta que ele transara com diversas garotas, o que faz dele alguém bem avaliado. Por que então Hannah (e outras) deveriam ser tratadas como vadias pelo mesmo motivo?

 

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Por que uma garota sexualmente ativa deveria ser julgada como vadia?

 

“13 Reasons Why” nessa temporada brinca o tempo todo com uma desconstrução de Hannah, provocando o espectador a “concluir” que a mesma não era tão santa assim. Ou seja, se realmente pensarmos isso, e por que ainda temos a mentalidade machista de que mulheres, diferentemente de homens, devem ter “bons costumes”. Não quero dar spoilers mas há uma cena específica no último episódio que mostra o alcance do tema.

 

Apesar destas correções de rumo, “13 Reasons Why” ainda sofre com episódios longos, personagens desinteressantes e um protagonista sem qualquer atrativo. Ainda assim, há muito o que extrair da série que possivelmente terá outra temporada, o que mostra que problematização é o que não falta para servir de tema.

 

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