Crítica | Três Anúncios Para um Crime
Três Anúncios Para um Crime utiliza o western e a farsa para contar uma história relevante e atual
Ficha técnica:
Direção: Martin McDonagh
Roteiro: Martin McDonagh
Elenco: Frances McDormand, Woody Harrelson, Sam Rockwell, Peter Dinklage, John Hawkes, Lucas Hedges, Caleb Landry Jones, Amanda Warren
Nacionalidade e lançamento: Reino Unido, EUA, 2017 (15 de Fevereiro de 2018 no Brasil)
Sinopse: Meses após o homicídio de sua filha e sem um culpado preso, Mildred Hayes (ganhadora do Oscar® Francesa McDormand) faz uma jogada ousada, ela aluga três outdoors com mensagens dirigidas ao venerado chefe da polícia da cidade. Quando seu segundo comandante, um homem mimado com inclinação para violência, se envolve no assunto, a batalha entre a aplicação da lei e Mildred foge do controle.
*Texto publicado originalmente em minha cobertura da 41ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo para o site Nervos. Para ler a cobertura completa, clique aqui.
Quando Mildred Hayes, interpretada pela excelente Frances McDormand, entra em cena pela primeira vez em Três Anúncios Para um Crime, o mais novo filme de Martin McDonagh (de Na Mira do Chefe, de 2008, e Sete Psicopatas e Um Shih Tzu, de 2012) que foi o grande vencedor do Toronto International Film Festival (TIFF), fica clara a sua mensagem: entrando por uma porta, em câmera lenta, com a trilha sonora de Carter Burwell que evoca os melhores westerns, Mildred é o “cowboy solitário” de Mcdonagh, é a figura que parece agir acima da lei. Como as icônicas figuras de tais produções, tem seu próprio compasso moral. A cidade? Missouri, no oeste, que não é mais velho, mas parece parado no tempo, com sua parcela escabrosa de supremacistas e preconceito.
A tradicional “jornada de vingança” de Hayes é contra a polícia local, liderada pelo xerife Bill Willoughby (Woody Harrelson, ótimo), que durante 9 meses falhou em solucionar o caso do assassinato de sua filha. Mildred aluga três outdores, há muito não utilizados, e deixa um recado que chamará a atenção do xerife, dos moradores e da mídia. E daí vem o belo título original, que consegue ser até poético ao ir direto ao ponto: Three Billboards Outside Ebbing, Missouri.
Não é difícil imaginar que, nas mãos de outros roteiristas, a história de Hayes receberia contornos mais heroicos, e que a maioria não resistiria em incluir discursos dramáticos e poderosos, até mesmo retirando da protagonista o que a torna mais humana e complexa: seus defeitos. Mcdonagh é sábio em retratar Mildred como uma mulher que luta pela causa certa, mas que possui seus próprios defeitos, preconceitos, e o tão familiar ódio.
O “ódio”, que aparece nos títulos de tantos faroestes, é utilizado como elemento de reflexão em mais uma narrativa toda particular que Mcdonagh é sempre hábil em criar, onde todas as atuações parecem ajustadas levemente num tom acima, criando uma espécie de estilização que quase torna seus personagens caricaturas (o policial racista vivido por Sam Rockwell, o “anão da cidade” vivido por Peter Dinklage), mas não chega a exatamente ultrapassar essa linha, ancoradas por atuações excepcionais que elevam estes personagens a figuras reais, com situações que vão do humor de absurdos ao drama em minutos, num domínio pleno da história que quer contar e que só enriquece este universo.
O personagem mais complexo da obra acaba sendo Jason Dixon, o policial racista vivido por Rockwell. Dos trejeitos e características atribuídos a este tipo de figura autoritária, a utilizada aqui parece ser uma das sacadas mais eficazes: ao retratar Dixon constantemente lendo quadrinhos de super-heróis, o diretor explicita a natureza infantil e senso de justiça simplória que Dixon possui, com os contrastes de preto no branco que existiam neste tipo de gibi. Mcdonagh e a diretora de arte Jesse Rosenthal merecem aplausos por irem um pouco mais longe, já que os quadrinhos lidos pelo policial são em sua maioria oriundos dos anos 50, o que evidencia ainda mais a forma distorcida e retrógrada com que Dixon encara o mundo. No ápice da ironia, o policial utiliza uma camiseta de um desses quadrinhos com a frase “incorruptível”. Desta forma, Dixon se torna também um dos personagens mais trágicos, já que sua personalidade e ódio parecem ter raízes oriundas de sua própria criação, visto que sua mãe é tão racista quanto ele.
Ainda assim, é inegável que o destaque fique mesmo para a magnética interpretação de Frances McDormand, que cria em sua Mildred uma mulher marcada pela vida que, através de remorso e ódio, construiu lentamente uma carapaça sobre si. Os abusos domésticos causados por seu marido, vivido por John Hawkes certamente possuem um papel nisso, e a forma quase banal com que os personagens reagem aos acessos de raiva do mesmo se tornam dolorosamente realistas e atuais, mesmo que, novamente, o diretor consiga extrair com sucesso algum tipo de humor nas interações destes personagens.
Com belos arcos de personagens, a mensagem que fica no excelente Três Anúncios Para um Crime é a de que o ódio é cíclico – o velho, mas ainda atual ditado de que violência só gera violência, de que dor só gera mais dor. É tempo para aquelas velhas frases de espelhos: reconhecer não só o seu ódio, mas também sua dor no próximo (a cena do hospital envolvendo duas figuras antagônicas é uma das mais simbólicas do ano), e, através de um dos sentimentos mais humanos – a empatia – tentar seguir em frente, e se tiverem sorte (as coincidências irônicas utilizadas nesse cinema de McDonagh nunca foram tão proeminentes) encontrar algum tipo de paz.
Resumo
Tratando seu Três Anúncios Para Um Crime como um digno Western, o diretor Martin McDonagh (que comandou Na Mira do Chefe e Sete Psicopatas e um Shi Tzu) realiza uma história de vingança à seu próprio modo.Atuações estelares (destaque também para Sam Rockwell como um policial racista), diálogos afiados (como de costume com o diretor), um humor negro equilibrado e uma poderosa mensagem tornam Três Anúncios Para Um Crime um dos melhores – e mais relevantes – filmes do ano