Black Mirror S04xE02: Arkangel
Black Mirror começou a se perder em suas histórias e os plot twists não empolgam mais quanto antes. Mas a obra audiovisual ainda vale a pena ser assistida.
Ficha técnica:
Direção: Jodie Foster
Roteiro: Charlie Brooker
Elenco: Rosemarie DeWitt, Brenna Harding, Aniya Hodge, Sarah Abbott, Nicholas Campbell, Owen Teague, Nicky Torchia.
Nacionalidade e lançamento: EUA, 2017 (29 de dezembro de 2017)
Sinopse (Netflix): Esta série antológica de ficção científica explora um futuro próximo onde a natureza humana e a tecnologia de ponta entram em um perigoso conflito. Neste episódio, preocupada com a segurança da filha, Marie recorre a um dispositivo de última geração para monitorar sua localização – e muitas outras coisas.
A série mundialmente famosa estreou em 4 de dezembro de 2011, pela emissora britanica Channel 4. Black Mirror acabou de lançar sua quarta temporada pela empresa de entretenimento Netflix, que também foi responsável pela temporada anterior.
Além deste artigo, temos outras postagens sobre o fenômeno mundial. Escrevemos sobre os episódios The Entire History of You (S01E03), The National Anthem (S01E01), Fifteen Million Credits (S01E02), Men Against Fire (S03E05, parte 01 – parte 02). Continue acessando o site para ver todas as postagens sobre os novos episódios. Também tivemos o Indic(ação), com a minha participação, falando sobre o sucesso britânico e outras produções de sucesso disponíveis na Netflix.
Black Mirror é uma minissérie que procura mostrar o potencial maligno de novas tecnologias e de como nos relacionamos com elas. Ou pelo menos em suas temporadas anteriores a obra audiovisual alcançou este objetivo. Os últimos seis episódios se perderam nessa missão, o espectador acessa um material coeso visualmente, mas a narrativa perde a unidade que tinha. Previamente, possuía um olhar extremamente crítico e pessimista, com perspectivas assustadoras, se utilizando de conceitos sociais e culturais já praticados no ocidente e os elevava a sua máxima potência. Mas o toque mundano que já existia tomou posse, e a parte alarmante que deveria predominar não teve a força que estávamos acostumados a ver.
Nos voltando ao episódio que é objeto de análise, Arkangel traz temas muito presentes contemporaneamente, como a privacidade de indivíduos e as incertezas que as novas tecnologias nos trazem. Assim como assuntos mais universais, tais quais maternidade (e preocupações excessivas com os filhos) e juventude (drogas, insegurança, primeiro amor, etc). Jodie Foster faz um ótimo trabalho ao retratar com sensibilidade uma relação entra mãe e filha, que já começou desequilibrada. A cena do nascimento de Sara cumpre o papel de mostrar o nível de preocupação e medo de Marie de perder sua filha. Tanto que não se faz necessário um background mais extenso que justifique essa preocupação ou a falta da presença de um pai, por exemplo. Esse espaço onde a criatividade pode respirar é bem-vindo. Podemos imaginar que ela já passou por abortos anteriores, que o pai morreu antes do nascimento, ou que simplesmente se trata de uma produção independente; esta última me soando a mais plausível.
A tecnologia deste episódio permite que a mãe monitore todos os passos de sua filha. Marie e Sara, respectivamente. O que era uma preocupação justa e saudável se tornou doentio. Além de saber a localização de Sara, Marie pode ver exatamente o que a filha vê, dados sobre a saúde da menina (como níveis hormonais, por exemplo) e controlar a percepção dela sobre as coisas, censurando “imagens sensíveis” (sangue e violência, por exemplo). Esse enredo traz diversos questionamentos, mas que parecem rasos depois de certas conclusões. Aliás, uma conclusão: tal produto/serviço nunca deveria sequer ter alcançado os consumidores. Não faz sentido dar tanto controle sobre a vida de um indivíduo completamente capaz para um terceiro, mesmo que este seja um parente responsável.
Como sempre acontece em Black Mirror, o demônio está nos detalhes. E por meio de pequenos diálogos, quase como pano de fundo, sabemos como a tecnologia evoluiu, saiu da fase de testes até culminar em seu inevitável fim. Parece pequeno, quase irrelevante, mas é de suma importância para a atmosfera da narrativa. É uma confirmação do que todo mundo tem assistindo a este média-metragem: “eu sei que isso é errado, mas não sei explicar o por quê”, e o veto da ONU para se continuar o uso comercial do Arkangel nos dá uma legitimação desse pensamento como correto. Mas ao se ater aos pormenores, a serie perde o seu grande trunfo: a ação, ato, pensamento ou consequência final catastrófica que faz toda a audiência colocar a mão na consciência e realmente refletir sobre os conceitos apresentados no episódio. E infelizmente Arkangel não foi o único episódio a falhar nesse quesito.
Até existe uma “lavação de roupa” no fim do episódio, mas nem de longe contempla o que a série já fez ou o que os espectadores esperam dela. E esse sentimento de expectativa é bem-vindo em diversas obras, como series e filmes, mas não em Black Mirror. Parece-me que a direção (sim, estou falando sobre ela de novo) foi fundamental para tornar os 54 minutos de episódio aproveitáveis. Sem a mão e a percepção aguçada de Foster, o episódio seria mais um como The Waldo Moment ou Metalhead: perdido num mar de intenções que ninguém entendeu muito bem qual eram.
Em suma, Black Mirror continua sendo Black Mirror e, logo, vale sempre a pena ser assistido e objeto de reflexão e discussão. As temáticas tecnológicas e sociais sempre vão permear as obras produzidas debaixo do guarda-chuva deste seriado, mesmo que vez ou outra o tiro saia pela culatra. Mirando em ser profundo e intelectual, Arkangel se torna um material sem ritmo e com uma “moral da história” rasa. Todavia, se o objetivo é mais se entreter do que analisar, este episódio não deve ser a primeira escolha do espectador.