Crítica | Invisível
Invisível, novo filme de Pablo Giorgelli, coloca o aborto novamente em pauta
Ficha técnica:
Direção: Pablo Giorgelli
Roteiro: Pablo Giorgelli
Elenco: Mora Arenillas, Mara Bestelli, Agustina Fernandez, Fabiana Uria
Nacionalidade e lançamento: Argentina, Brasil, 2017 (9 de setembro de 2017 no Brasil)
Sinopse: Ely tem 17 anos e mora no bairro da Boca em Buenos Aires. Ela cursa o último ano do ensino médio e trabalha num pet shop para completar a renda familiar. Ao descobrir que está grávida do Raúl, dono do Pet Shop, seu mundo interno colapsa. Enquanto tenta manter sua rotina diária como se nada tivesse acontecido ela é tomada pelo medo e angústia. A sociedade que a pressiona e o estado de saúde frágil da sua mãe a isolam e a obrigam a amadurecer precocemente. Tomar a decisão que mudará sua vida para sempre lhe permitirá ter um novo começo.
*o texto contém alguns spoiler, se você se importa com isso…
O mundo de Ely (Mora Arenillas), jovem de 17 anos, está prestes a desmoronar. Sua mãe (Mara Bestelli) está deprimida e não consegue sequer sair da cama. Não há figura paterna. E como se não houvessem conflitos suficientes, ela engravidou de Raúl (Diego Cremonesi), dono do Pet Shop no qual trabalha para ajudar sua renda familiar. No meio de tudo isso, a rotina: comparecer às aulas, ir ao mercado, e fazer sexo mecânico com desconhecidos. A sensação de repressão emocional é constante. Há uma guerra dentro da cabeça de Ely, que deve escolher entre abortar ou não, numa sociedade que parece à todo tempo ausente.
Nesse sentido, o título de Invisível – do argentino vencedor da Golden Camera em Cannes por Las Acacias (2011), Pablo Giorgelli – se encaixa perfeitamente aqui. As figuras que habitam esse mundo silencioso de Ely estão sempre em segundo plano, sempre em desfoque através da lente do cineasta e seu diretor de fotografia Diego Poleri. Vozes distantes dos professores ecoam de fora do quadro, rostos anônimos povoam o metrô com os choros de um bebê que invadem a mente da adolescente, como um peso na consciência. Até mesmo a figura de sua mãe é retratada inicialmente como uma silhueta, um fantasma que aparece ocasionalmente para desligar a televisão da sala enquanto sua filha dorme. Ely está descolada do mundo ao seu redor.
Não é de se espantar. De Raúl, o homem consideravelmente mais velho que a engravidou – e que possui família -, vem a afirmação: “você não pode ter este bebê”. Dos professores, que não têm ideia do que se passa, a cobrança em tom cínico, decorrente de prováveis más experiências com uma juventude cada vez mais desinteressada:”eu te daria falta se você não tivesse trazido o atestado”. O que resta para a jovem é a desconexão. “Eu sei”, diz Ely, monossilábica, aos apontamentos de Raul, que fornece o dinheiro para a “operação”- já que o aborto também é ilegal na Argentina -e um apoio que parecem surgir mais de um medo egoísta de que ela conte a alguém.
Mas Ely está fechada demais em si mesma para fazê-lo. A única que sabe é uma colega de escola, que eventualmente a abandona em uma balada. Tais momentos-chave são intercalados por Giorgelli pela rotina, numa narrativa inegavelmente mais arrastada e de planos longos mas que carrega, junto com sua protagonista, uma melancolia e emoções reprimidas que parecem constantemente prestes a serem externadas, e estes créditos vão para a atriz Mora Arenillas, que se comunica apenas com olhares tristes mas dotados de uma intensidade, à medida que rói as unhas e parece a todo momento devanear.
A escolha não é fácil, e são atitudes de uma garota que aprende, “na marra”, que está sozinha. O incidente com um cachorro machucado, no Pet Shop em que trabalha, é crucial. “Temos que operá-la, não há tempo”, diz Raúl. Posteriormente, ela leva a criatura para passear, num momento poderoso. Invisível parece caminhar, constantemente, à explosão, à fuga da indiferença que virá no momento em que sua protagonista reagir. O que nos leva ao plano em que Ely espera o médico da clínica de aborto, catártica pelas reações que provoca na garota. A forma burocrática com que a recepcionista trata a jovem, como se falasse da remoção de uma simples espinha, é perturbadora.
O que resta, ao fim, é o colapso. Se ele é catártico por representar a externação de sentimentos ocultos durante toda a narrativa, ele é também doloroso por que sabemos que Ely ainda está sozinha, numa sociedade que não lhe atribuí seus direitos, que exige que ela tome decisões que não deveria e que continua invisível ao seu redor.
Invisível é uma obra triste mas necessária. Um retrato de um tema que nunca deixa de ser atual, mas, acima de tudo, um retrato sobre a procura pelo sentir, a procura pela conexão num mundo alheio ao indivíduo que encontra-se na situação de sua protagonista. O ritmo cadenciado é essencial para que absorvamos a melancolia opressora na qual a jovem garota se encontra.