Thor: Ragnarok x Comédia: a piada atrapalha?
Thor: Ragnarok é o 17º filme da Marvel. Desde Homem de Ferro (2008) que o humor está presente neste universo cinematográfico. E cada vez mais nos lançamentos do estúdio tem gente que reclama das piadinhas. Mas será que elas realmente atrapalham?
A resposta é: depende.
Reclamar das piadas Marvel é quase tão clichês quanto… as piadas Marvel…. que tal sairmos do mero “genial, ri muito” ou “que droga, está colorido demais” e nos debruçarmos mais atentamente em cada piada?
Primeiro: quando falamos de filmes de comédia muita gente se limita a um “me fez rir, então o filme é ótimo”. Essa afirmação tem duas falhas. A primeira diz respeito a natureza do humor. Há toda uma teoria por trás das piadas. Os bons comediantes estudam a coisa a fundo, caso não fosse assim o teu tio do pavê seria o grande nome do stand up.
Como dica, indico o podcast que já falei no plano detalhe do Podcast #235 Homem-Aranha de Volta ao Lar, o Resenha do Leo Lins. Especialmente os primeiros episódios, onde o humorista Léo Lins dá dicas sobre a estrutura da piada. Então só te fazer rir não qualifica aquele humor como positivo.
O outro problema do “filme de comédia só tem que me fazer rir” é desconsiderar o contexto cinematográfico. Em um show de humor determinado comentário pode ocasionar o riso. Em um filme, fatores como atuações, montagem, trilha e até o próprio texto ganham outro peso. Um posicionamento de câmera pode salvar ou matar o humor de uma cena.
Após essa (não tão) breve introdução vou destrinchar as piadas no filme Thor: Ragnarok. Já falamos dele em uma crítica SEM spoiler e no Podcast Cinem(ação) #251 com SPOILER. O presente texto também terá spoiler das piadas, que em alguns casos revela o desenrolar da trama. Ou seja: a recomendação é ler apenas se viu o filme ou se não ligar em saber o que acontece.
DEPOIS DA IMAGEM COMEÇA A ANÁLISE COM SPOILER:
A primeira piada já se dá na abertura, quando Thor (Chris Hemsworth) parece estar quebrando a quarta parede e conversando com o público, mas na realidade ele está falando com uma caveira. Apesar de não ser um recurso inédito, o movimento funciona exatamente pela quebra da expectativa. Sendo uma forma de explicar o contexto mas tirando o peso de ser expositivo.
Não tarda, porém, para vir a piada com as correntes. Onde o nosso herói fica girando no próprio eixo enquanto o monstro de fogo Surtur está falando. Se por um lado desafiar o vilão é eficaz como marca da personalidade (destemida/burra), por outro, a virada nas corretes fica forçada com o agravante de se apostar na recorrência e repetir a fala. Aqui a sequência perde força, o alívio cômico se sobrepõe ao texto.
Ou seja, logo no começo já temos a marca do diretor Taika Waititi (que já dirigiu a excelente comédia O Que Fazemos nas Sombras). Ele evidencia que o personagem mudou de personalidade e que não vai economizar nas piadas. Alguns alegam que tal opção é um problema pois descaracteriza o deus nórdico ou que trai o que foi construído anteriormente nos outros filmes da trilogia. Vamos falar disso já já….
Um outro momento inspirado se dá na encenação onde os atores Luke Hemsworth, Sam Neill e Matt Damon interpretam Thor, Odin e Loki. A piada aqui funciona, pois salvo quem leu a ficha com o elenco, toma um susto com a presença dos atores, em especial do Matt Damon. Além disso, e o mais importante, ela tem sentido dentro da história ao reforçar o ar egocêntrico do Loki (Tom Hiddleston).
Já todo o arco na Terra é problemático. A cena da casa de repouso demolida fica como pretexto para o Dr. Estranho ter função no filme. E tudo que se segue ali é só para um show off do personagem, aqui ressalto Thor quebrando as coisas para chamar o martelo, o copo de cerveja enchendo eternamente e Loki caindo no buraco. Todas são apenas gags visuais. A piada pela piada. Pode fazer rir? Sim… mas servem mesmo para tirar tempo do filme.
Algumas figuras secundárias tem o momento “rei do humor”. A Valquíria (Tessa Thompson) aparece se impondo, mas logo é cortada por ela mesmo ao cair de bêbada – típica piadoca de tropeção e novamente a aposta na cerveja como piada. Além de ser uma piada fácil, depois praticamente não temos mais esse lado explorado, apesar de ter duas referências posteriores.
Skurge (Karl Urban) é um dos personagens com o pior arco do filme, cheio de inconsistências. Quando ele apresenta as armas com nomes “fofos” a Des e Troem temos que analisar sob duas perspectivas: como piada isolada é péssimo. Contudo a ideia aqui era ser péssimo, como se fosse um cara perguntando “você vem sempre aqui”. E ele chegando ofegante para dar um anuncio que todo mundo já sabia, novamente é a piada pela piada. A marca pode ser defendida, pois serve para diferenciá-lo do sisudo Heimdall (Idris Elba), ainda assim é pouco criativo.
O nada secundário Hulk (Mark Ruffalo), antes uma fera indomável, agora virou um bebê chorão. Não fica natural. Quando falo de naturalidade, repare: o Loki comemorando que o Hulk está transformando o Thor em uma boneca de pano o humor é mais genuíno, pois faz referência a uma cena icônica dos Vingadores onde o próprio Loki estava sendo massacrado. Além condizer com a figura do Loki.
Desconstruir os personagens, algo que é feito aqui com o Hulk e o Thor, é uma opção perigosa. Hulk fazendo bico é o equivalente a ver vídeos de gatinhos no Youtube, sucesso garantido a troco de entregar muito pouco. O mesmo vale para mostrá-lo nu. Momento que tenta se valer por ser inusitado (eu inclusive ri).
A pior, gag do personagem, conforme apontou o Rafael Arinelli no podcast 251 , é a cena onde Bruce Banner cai do avião sem estar transformado. Ali, o enquadramento denuncia o que vai acontecer – quem tem um mínimo de conhecimento cinematográfico antevê o que virá e uma das piores coisas no humor é previsibilidade. A cena praticamente para para vermos o moço espatifado no chão.
Com o próprio Thor a coisa não é das melhores também. Um deus gritando amarrado na cadeira gera uma desconstrução repetitiva, ainda mais dado que ele estava “seguro”. A cena do corte de cabelo só faz sentido para vender boneco e aparecer o Stan Lee. O momento que ele está com o Korg (Taika Waititi) e o corredor é infinito tem pouca valia narrativa. Quando ele escolhe as armas lembrando do martelo despedaçado, gera comentários óbvios.
Todo mundo aqui tem que estar fora do lugar? É o demônio de fogo sem moral, é a fera verde que parece ter 5 anos, o homem de pedra revolucionário, ou ainda o grande porteiro do universo sendo um babaca. Até a vilã Hela (Cate Blanchett) tem a pausa cômica. A maioria dos recursos quando usado demasiadamente, satura… a inversão com certeza é um deles.
As tradicionais cenas pós-créditos também falham. Se na primeira temos o clássico: “agora vai ficar tudo tranquilo” e logo em seguida algo de ruim acontece – se a cena cortasse antes da nave aparecer seria um gancho mais interessante, bobo, previsível, mas pelo menos mais instigante. A segunda está causando revolta nos fãs. Quem esperou todos os créditos se deparou com o Grão Mestre (Jeff Goldblum) em uma posição sem sentido e se justificando também sem propósito.
CONCLUSÃO:
Será que Thor: Ragnarok tem muita ou pouca piada? Novamente a resposta será dúbia: os dois. Se por um lado vemos a aventura não ter coragem de assumir o humor. Diferente de um Deadpool ou Guardiões da Galáxia, aqui todas essas piadas são alternadas com momentos sérios (compare com o outro filme do diretor, onde tudo é escrachado).
Por outro lado, as piadas que lá estão são de consumo rápido. Você pode até rir, mas elas vem na mesma velocidade que se vão. Algumas vezes elas encaixam melhor, porém como projeto, portanto, atrapalham sim, pois tiram tempo de em tela que poderia ser usado para desenvolver outro personagem.
O que gera uma aparente contradição: o filme precisava de mais piadas para se solidificar como comédia. Contudo, o humor presente é cambaleante. A presença deste gênero é uma opção válida. O modo como é tratado é que torna o nível baixo.
Tem alguma outra piada em Thor: Ragnarok que vocês lembram? Para vocês esse tipo de humor atrapalha ou não? Deixem aí nos comentários!