Crítica: Pelé: O Nascimento de uma Lenda (2016)
Pelé: O Nascimento de uma Lenda não marcou um gol de placa… aliás, um gol contra quem sabe…
Ficha técnica:
Direção e roteiro: Jeff Zimbalist, Michael Zimbalist
Elenco: Kevin de Paula, Seu Jorge, Milton Gonçalves, Vincent D’Onofrio, Fernando Caruso
Nacionalidade e lançamento: EUA, 2016 (26 de outubro de 2017 no Brasil).
O recorte da biografia parte da infância pobre de Pelé, ainda chamado de Dico, nos idos de 1950. Ali vemos a gênese do garoto que fazia estripulias com a bola no pé junto com os amigos e queria realizar um sonho para o pai: vencer uma Copa. A narrativa vai até o título mundial do Brasil em 1958, quando Pelé, aos 17 anos, foi o jogador mais jovem a levantar um caneco.
Pelé dispensa apresentações. O segundo maior jogador de todos os tempos, já que o Maradona é o deus do futebol [nota do editor: sim, nosso autor Lucas Albuquerque é um argentino fanático. Prometo que ele não vai falar mais bobagens, então peço que perdoem e continuem a ler o texto], tem uma daquelas histórias que roteirista algum escreveria tão bem.
E não foi desta vez que o cinema pode se deslumbrar com jogadas cinematográficas à altura de Pelé. Os irmãos Zimbalist, que escrevem e dirigem, têm alguma experiência com documentários, mas fica claro uma pouca malandragem ficcional e sobra um desconhecimento sobre o que é o Brasil. Com esteriótipos que beiram uma paródia de Os Simpsons, frases como “agora teremos um jogo, vamos sambar” ou tornar a “ginga” quase uma entidade inspiradora, mostram que o filme é para inglês ver.
E aí vem uma das coisas mais bizarras da proposta: boa parte dos diálogos são em inglês. Apesar de um estranhamento que mata a naturalidade e dinâmica de muitos momentos, o filme não se contenta e, pasmem, mistura alguns trechos em português – às vezes na mesma frase… Realmente não sei se foi um erro intencional ou ninguém da produção percebeu… sinceramente fico na dúvida do que é pior…
A fotografia do experiente Matthew Libatique, diretor de fotografia de mãe!, Homem de Ferro e tantos outros, tem opções um tanto duvidosas. Uma saturação que força para o amarelo me faz pensar se ele queria refletir o clima “caliente” do Brasil ou mesmo a pobreza do local (?!?!). O filme basicamente tem dois cenários: a escaldante Bauru e a gélida Suécia.
Como se não bastasse, o mística de que futebol na telona não funciona se mantém (com belas exceções, confira esta lista). É impossível vibrar ou acreditar naquelas cenas. A filmagem deixa a desejar até se comparado a reconstituições em reportagens de programas esportivos. Planos fechados, uma abundância de cortes, câmera lenta, tudo pontuando contra. A experiência futebolística fica prejudicada e por ser o cerne do filme não dá para ignorar.
Vamos voltar na famigerada “ginga”. Parece que é um botão que os contemplados pelo dom ativam e aprendem a jogar bola. Pelé estava mal em campo, sendo marcado, tomando trombadas e errando chutes. Aí ele se lembra que possui a “ginga” e faz quatro gols. Para quem conhece o jogo/desenho yu-gi-oh, vai ver a semelhança com o “coração das cartas”….
O filme ainda faz questão de frisar que os dirigentes repudiavam a malemolência, pois isso causou a perda do título em 1950, questão que é repetida algumas vezes, quase que vilanizando aquelas figuras por maldizerem aquilo que faz do brasileiro brasileiro…
A coisa é tão “mística” que em um dado momento o olheiro Waldemar de Brito (Milton Gonçalves) para o filme para explicar para apadrinhado a origem do gingando, fato que remete ao século XVI e à escravidão. O diálogo que permeia a aula de história é qualquer coisa de terrível, artificial até a última gota.
A rivalidade de Pelé com o Altafini, mais conhecido no Brasil como Mazzola, tem contorno infantis, no pior dos sentidos. Todo o arco é marcado, clichê e bobo. O mesmo se aplica ao “malvadão” técnico Vicente Feola. A relação com os pais se resume a: Seu Dondinho (Seu Jorge) sendo compreensivo e se mostrando um torcedor emocional nato, enquanto a mãe Celeste ( Mariana Nunes) é rígida e contra o filhão jogar futebol. Cada abraço soa falso e menos impactante que o momento merecia.
Para os amantes do nobre esporte betrão, vale o fanservice de ver os jogadores e reviver parte dos jogos da Copa do Mundo. A passagem no Santos é tão corrida que pode frustar os torcedores do peixe. Nenhum gol vale uma mexidinha na cadeira, nenhum drible (por mais que a câmera queira muito) emociona… E temos um erro histórico, quando um dos narradores pede um cartão após uma falta, sendo que o objeto só foi inserido na Copa de 70, vamos dar um cartão amarelo para a produção nessa…
Tudo se atropela. Os créditos finais com lances verdadeiros prendem muito mais a atenção do que tudo que vimos até ali. No seriado Chaves há a frase: “era melhor ver o filme do Pelé”*, pobre Chavinho, mal sabia ele….