Detroit em Rebelião (Detroit, 2017) – Crítica
Detroit em Rebelião é um retrato enérgico de uma Detroit em guerra.
Ficha técnica:
Direção: Kathryn Bigelow
Roteiro: Mark Boal
Elenco: Algee Smith, John Boyega, Will Poulter
Nacionalidade e lançamento: EUA, 2017 (12 de outubro de 2017 no Brasil)
Há 50 anos, em 1967, a cidade de Detroit viveu dias de guerra. Com confrontos entre a população (majoritariamente negra) e a polícia. O longa se divide em três atos bem distintos: o primeiro para contextualizar social e historicamente, o segundo para vivermos um confronto e o terceiro onde temos um julgamento.
No prólogo, uma animação, didática, para informar o público sobre um pouco do que levou até os episódios narrados no longa. Graficamente o traço é bem utilizado. Meio sujo, quase tosco, com movimentos delicados e bruscos. Contudo, tal recurso sobra e o filme funcionaria começando direto… Pelo menos, é melhor do que um letreiro simples ou uma exposição ainda mais preguiçosa.
O clima é muito melhor explicado e sentido através de documentos reais que a diretora Kathryn Bigelow intercala ao longo da obra. As inserções dão o tom necessário reforçam ainda mais o quão real foi aquilo tudo.
A câmera tremida, quase desnorteada, logo no começo, é também bastante eficaz para denotar o clima que ali se instaurava. A fotografia abusando – no melhor sentido – de plano fechados e com tons mais pesados também corrobora com essa ideia. Bigelow sabe filmar muito. Ela tem uma câmera ativa. Depois de Guerra ao Terror, que ela venceu como diretora e em melhor filme, o bom resultado passa longe de ser surpresa.
Detroit em Rebelião apresenta vários caminhos no começo do filme. Isso pode causar algum embaraço no público. Por outro lado, quando a coisa se junta e engrena, o longa acaba melhor realizado, o que mostra que a decisão no começo foi acertada. Sem a base dos primeiros momentos o vínculo no segundo ato poderia não ser tão forte.
Quando o longa se detém no ambiente que vai passar a maior parte do tempo, um hotel, a tensão chega em um ponto chave. Bigelow não se furta em passar o medo, a dor e a violência e principalmente, ela não se esquiva de esticar o momento por muitos e muitos minutos. A coragem é recompensada por uma imersão total. O desconforto (do público) é reflexo do desconforto daqueles personagens em tela e dos homens e mulheres que passaram por aquilo no mundo real.
A letra cantada pelo grupo de um dos protagonistas, Larry Cleveland (Algee Smith), já releva o que viria a seguir. A vida dupla do segurança negro Melvin Dismukes (John Boyega) dialoga com o fato dele enxergar (mesmo que não concorde) os dois lados e de ser pouco querido pelos dois.
Os poucos alívios cômicos e até a bela e triste cena do palco, vêm como acalentos que precedem aquele instante. O caos nas ruas, com a visão das massas é contraposto ao caos na relação de 1×1 naquele hotel, em ambos a relação de poder é bem trabalhada visualmente.
Os atores, aliás, estão excelentes. As diversas camadas do Larry são entregues com serenidade por Smith. O ator cresce junto com o personagem. Quem lembra do hilário Finn no último Star Wars, vai se surpreender com a maturidade e versatilidade de Boyega. Outra bela atuação é do policial Krauss (Will Poulter), não demora muito para odiarmos aquele personagem – mérito de Poulter.
Detroit em Rebelião causa um sentimento parecido com o que vimos em Eu Não Sou o Seu Negro e A 13ª Emenda, que concorram ao Oscar de Melhor Documentário este ano. Esta trinca é pesada, difícil de engolir e convida o público a reflexões, sem perder o vigor técnico e narrativo. Três longas que merecem todos os elogios e se tornarão referência nos estudos da questão negra americana – no Detroit a coisa vai além e o abuso de poder acaba sendo um tema igualmente relevante.
E aqui, tal qual nos dois documentários, é bem possível que venha indicação ao Oscar. Mesmo com alguns defeitos, a academia tem demonstrado apreço pelo tema e a diretora já foi lembrada outrora.