Crítica: O Acampamento (Killing Ground 2017) - Cinem(ação)
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Crítica: O Acampamento (Killing Ground 2017)

O Acampamento tem muitos clichês e sabe usá-los e quebrá-los muito bem.

Ficha técnica: 
Direção e roteiro: Damien Power
Elenco:  Harriet Dyer, Mitzi Ruhlmann, Tiarnie Coupland
Nacionalidade e lançamento: Austrália, 2017 (31 de agosto de 2017 no Brasil)

Amigo leitor do Cinem(ação), você soube deste filme no começo do ano aqui no site, na nossa cobertura do Festival de Sundance, junto com o Maurício Costa do Razão de Aspecto. O longa chega no finalzinho de agosto nos cinemas brasileiros, depois da pílula no começo do ano, vamos agora para a crítica completa.

O grande mérito em O Acampamento é como ele vai do convencional, passando por terrenos conhecidos e subverte certas fórmulas. A premissa do casal indo para um local isolado para curtir um momento a dois, mas que logo se transforma em um pesadelo, é um tanto batida. Porém o roteirista e diretor Damien Power entrega tudo que pode além desse arroz com feijão.

Temos aqui um thriller que nos conduz a partir de uma sensação de incomodo, daquele sentimento positivo que bons filmes do gênero sabem causar. Acompanhamos três núcleos simultâneos, mais ou menos dividindo o mesmo espaço, todavia o tempo que os fatos ocorrem não fica de imediato claro.

A montagem no primeiro ato faz com que a gente tenha um panorama certeiro e ao mesmo tempo difuso dos acontecimentos. Vamos descobrindo a história aos poucos, com a brincadeira cronológica de mostrar os fatos através de flashbacks (atenção para pequenas dicas visuais, como objetos, por exemplos). Quando o quadro se completa – e não tarda para isso – temos o horror estampado.

E aí reside o ponto alto de O Acampamento. Parte das cenas fortes estão sim ali: uma pedrada na cabeça, tiros, graves ferimentos… porém, o diretor não mostra tudo. Um certo tipo de violência é implícito. Tal recurso, uns podem dizer, é para poupar o espectador. Contudo, na realidade o efeito é – brilhantemente – o oposto. Ver a violência seria feio, mas imaginá-la é ainda pior.

Há duas metáforas, pouco sutis é verdade, todavia bem eficazes. Uma com porcos, relacionada a quem é o porco e como tratá-lo. E outra ao vermos uma personagem tendo um pesadelo – não vemos a projeção daquele sonho, mas sabemos que ela está tendo momentos ruins. É meio como se o filme nos dissesse: “ela vai passar por um pesadelo, mas não vou te mostrar qual”.

Curioso, também, como Power brinca a com a nossa expectativa. Logo no começo temos uma cena que todo filme do gênero se apoia. Uma conversa casual, envolta em uma calmaria. Como o público sabe que não é um filme tranquilo, o diretor utiliza a ironia dramática – ele pega a nossa experiência para criar algo que os personagens não sabem. Mas, como quase tudo em O Acampamento, a coisa não é tão banal. O momento do susto vem após o timming que normalmente se espera. E em uma cena posterior, ele não vem.

Tem um outro instante (aí sim quase que totalmente explícito), desesperador, que uma mulher caminha em primeiro plano e no fundo algo se mexe, fazendo movimentos estranhos. Por mais que você anteveja o que é esse algo, o impacto é aterrador. Em um outro momento tem três pessoas em uma situação vulnerável. Uma delas, e a câmera pega de soslaio, já sofreu uma violência maior. Todo o contexto torna a coisa amplificada.

A complexidade dos personagens é bem trabalhada, na medida que o filme pedia. Essa camada, por vezes é oculta – em diálogo com a violência. A real motivação dos vilões não é descrita. Mais uma vez esse elemento é bem explorado. Diferente de um bandido cujo objetivo é conquistar o mundo, aqui os passos são imprevisíveis, mesmo que alguns deles sejam totalmente antecipados. Sentiu uma certa dubiedade? Então dê parabéns ao filme…

E não para por aí. Mesmo no lado dos mocinhos, diversas atitudes não condizem com o que a gente espera. Moral, covardia, instinto, justiça, tudo é posto distorcendo aqui e ali as linhas que estamos acostumados. Daí, pode causa alguma frustração no final. Eu pessoalmente fui plenamente recompensado. O corte final é perfeito.

O Acampamento talvez não seja palatável para todo mundo, mas as reações que ele pode causar são um quase experimento social. Veja e tire as tuas próprias conclusões.

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