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Crítica: Alien: Covenant

Em Alien: Covenant, Ridley Scott  alcança as pretensões temáticas que não conseguiu no falho Prometheus

Ficha técnica:

Direção: Ridley Scott
Roteiro: John Logan, D.W. Harper
Elenco: Michael Fassbender, Katherine Waterston, Billy Crudup,  Danny McBride, Demián Bichir, Carmen Ejogo, Amy Seimetz, Guy Pearce
Nacionalidade e lançamento: EUA, 2017 (11 de maio de 2017 no Brasil)

Sinopse: A tripulação do navio-colônia Covenant, ligada a um remoto planeta no lado distante da galáxia, descobre o que eles acham que é um paraíso inexplorado, mas na verdade é um mundo escuro e perigoso. Quando descobrem uma ameaça além de sua imaginação, devem tentar uma fuga angustiante.

Prometheus (2012), primeiro retorno do cineasta Ridley Scott ao universo Alien, é um filme complicado. Originalmente idealizado como um projeto ambientado no universo do xenomorfo, mas com seus próprios elementos temáticos, aquela obra tentava ser muito mais filosófica e existencial que os outros filmes da franquia. Lá estava o Space Jockey, assim como uma explicação para o mesmo – não tão interessante quanto seu design original, visto no primeiro Alien de 1979; o androide David vivido pelo excelente Michael Fassbender, e a Weyland Industries (antes de sua fusão com a Yutani), a misteriosa megacorporação com fins nefastos, mas entrava também uma busca Lovecraftiana pelos criadores da humanidade, uma incitação ao debate sobre fé vs. ciência e alguns dilemas morais sobre a criação da vida.

Uma premissa ambiciosa que resultou num filme mediano, que levantava mais questões do que respondia de fato. Ideias interessantes davam lugar a verborragia à medida que seus personagens, cientistas treinados, eram escritos com a profundidade de um pires, incapazes de tomar decisões das mais sensatas. O filme brilhava, entretanto, visualmente (seja na bela fotografia ou no brilhante design de produção) e sempre que o David de Fassbender estava em tela, com uma performance hipnotizante. No fim, ficou a impressão de que Ridley Scott andou lendo muito  Eric van Daniken, numa salada de temas e situações inconsistentes que nem sempre funcionava.

Alien: Covenant

Michael Fassbender como o androide David, em Alien: Covenant

Eis que chegamos a este Alien: Covenant, mais nova incursão de Scott ao universo que o consagrou. Se a questão era ou não este filme ser melhor que o anterior (e não se engane, esta é uma sequência de Prometheus), não é tão simples dizer. É inegável, porém, que de certa forma Ridley Scott  resolve – muito melhor – os principais temas do filme de 2012 já em seu prólogo. Intrigante e econômico, ele é ambientado em uma única sala, onde o androide “recém-nascido” David conversa com seu criador Peter Weyland (Guy Pearce), discutindo as questões do longa anterior de forma rápida e sem aquela grandiloquência, transmitindo-as através da curiosidade infantil, mas perturbadoramente cruel de David, refletindo já traços de uma natureza sádica que se manifestaria posteriormente.

E não é coincidência que Covenant comece, literalmente, no olho do David de Michael Fassbender. O personagem, que de várias formas é o protagonista do filme, se torna também o mais complexo e interessante. Fassbender faz aqui mais um papel duplo (o último foi no mediano Assassins Creed), interpretando o também andróide Walter. Walter integra a tripulação da nave colonizadora Covenant do título. O ano é 2104, e o objetivo é transportar 2 mil colonos para o planeta Origae-6, para começar vida nova no mesmo. Um acidente cósmico antes de chegar ao seu destino faz com que Walter seja obrigado a despertar os 17 tripulantes da missão. Logo Oram (Billy Crudup) precisa assumir o posto de capitão, devido a um acidente ocorrido no momento em que todos são despertos. Em meio aos necessários consertos, eles descobrem que nas proximidades há um planeta desconhecido, que abrigaria as condições necessárias para abrigar vida humana. Oram e sua equipe decidem ir ao local para investigá-lo, considerando até mesmo a possibilidade de deixar de lado a viagem até Origae-6 e se estabelecer por lá. Só que, ao chegar, eles rapidamente descobrem que o planeta abriga seres mortais.

Se Prometheus era incerto do que queria ser em sua proposta (ora filme do Alien, ora um novo começo), Alien: Covenant é um filme que não demora para abraçar o “horror de sobrevivência”. E Já que estamos falando de subgêneros do horror, vale mencionar que o tal body horror, tão característico dessa série retorna. São criaturas, transformações e nojeiras para alegrar qualquer fã do gênero. E o melhor: são justificadas. A violência que era tão desconexa e exagerada no filme anterior faz mais sentido aqui.

O sadismo de Ridley Scott

Em Prometheus (e receio que haverão mais comparações com este filme, mesmo que este funcione muito bem), a violência começava e terminava em si mesma, sem nenhum propósito narrativo. Quando víamos um cientista ter seu braço triturado ao brincar com uma repulsiva criatura alienígena que era claramente hostil, não sentíamos por ele por causa da imbecilidade de suas ações, inverossímeis para tal situação. Recuávamos de aflição ao ouvir o som dos ossos quebrando, mas era uma violência quase que cartunesca. O mesmo ocorria após a infame “cena do parto”. Eficiente na construção de tensão, a mesma era anulada cenas depois, quando a personagem que sofreu a cirurgia corria, apenas com uma expressão de desconforto quando no mínimo estaria deitada, gritando de dor. Essa falta de consequência exclui daquela cena inicial qualquer  peso dramático que ela possuiria normalmente. Era uma violência sabotada pelas preguiças e conveniências de seu próprio roteiro.

Em Covenant , tais conveniências são amenizadas. O sadismo não acontece nos clímaxes da violência em si, mas sim no hostil ambiente que parece, à todo custo, torturar seus personagens. Uma cena em especial, arrancará reações raivosas de muitos:  após um horrível incidente, um personagem que precisa ser rápido escorrega não uma, mas duas vezes numa poça de sangue, caindo e ficando vulnerável. É nesse pequeno – e a primeira vista estúpido – momento que Scott usa a violência literal e temática de forma muito mais eficiente.

O objetivo do cineasta, é claro, sempre foi refletir o mito grego do titã Prometeu (e o primeiro filme desta nova “safra” Alien não se chama Prometheus por acaso), que era condenado à ter suas entranhas devoradas por uma águia por toda a eternidade por ter concedido o fogo à humanidade, permitindo que a mesma chegue, um dia, ao nível dos deuses. Se Scott queria punir seus personagens por tentarem se equiparar aos deuses (não só procurando quem os criou, mas também “criando” vida, com seus androides), que seja com um equívoco de personagem plausível (como alguém extremamente nervoso escorregando em sangue sem ter tempo para pensar) do que com o erro mais idiota possível (como um inteligente e até então sensato cientista tendo o braço quebrado por um alien por brincar com o mesmo). Se quer punir alguém por “brincar com o desconhecido”, que não seja de forma literal.

As tolices nas escolhas que os personagens tomam são mais toleráveis aqui pela forma e situações em que estes são colocados. Eles estão sendo punidos, no fim, por serem humanos. E dos humanos, os mais desenvolvidos pelo roteiro de John Logan, D.W. Harpere, e válidos de menção aqui são o recém-promovido a capitão Oram (Crudup), Daniels (Katherine Waterston) e o Tennessee de Danny McBride (uma grata surpresa, tendo em vista seu currículo de comédia).

O fato de que apenas 3 personagens humanos possuam destaque em uma nave com 17 tripulantes diz muito sobre a trama. É aí que Scott começa a cometer os mesmos erros bobos vistos no filme anterior. Ao vermos os vários figurantes, já sabemos que eles estão lá apenas para morrer, e alguns são mortos sem que sequer nos lembremos de seus nomes. Felizmente, no que Scott e seus roteiristas erram no desenvolvimento das figuras que habitam a narrativa, pode-se dizer que eles “compensam” isso ao nunca esconder a brutalidade das mortes, o que, se não faz com que nos importemos com aquelas pessoas, ao menos nos faz compreender a gravidade da situação, refletida no desespero dos mesmos (que, novamente, agem minimamente como humanos, o que faz toda a diferença).

Alien covenant

Mesmo que não seja tão didático em relação à seus temas, outro erro de Prometheus  é cometido aqui. Se naquele filme, o diretor martelava seu público constantemente com a religião da personagem Elizabeth Shaw (Noomi Rapace), o mesmo ocorre neste filme, com o religioso Oram (e o trocadilho que seu nome adquire em português só deixa tudo mais risível) do já mencionado Billy Crudup. Pelo menos em toda a cena que ele aparece no primeiro ato, alguma menção expositiva é feita sobre sua fé. É um personagem que só é salvo pela carismática interpretação de Crudup.

Talvez percebendo que o longa anterior se distanciou mais que o pretendido de suas raízes temáticas, Ridley Scott e seus roteiristas se encarregam de prestar o máximo de referências visuais aos primeiros Alien, seja na forma como o título aparece em cena ou pela trilha sonora evocativa de Jed Kurzel. Destaque para o nascimento do Xenomorfo, quando uma trilha sonora etérea contrapõe o ato grotesco.

Alien: Covenant acaba se tornando o capítulo mais sombrio e cínico da franquia Alien. Funcionando como ficção científica de terror ao mesmo tempo que trabalha as questões filosóficas com mais competência que seu antecessor, este filme peca por não desenvolver seus personagens humanos tão bem quanto seus “robôs”. É um retorno ao básico ao mesmo tempo que aponta para novos caminhos.

No fim, é curioso que Ridley Scott consiga alcançar, através de seus androides, as pretensões temáticas que não conseguiu com seus personagens humanos no falho Prometheus. Alien: Covenant responde algumas perguntas deixadas no filme anterior, ignora outras (o que significava o alien na cruz na nave dos engenheiros, afinal?) e deixa mais algumas. Satisfatórias ou não, uma coisa fica clara: o cineasta encontra, em David, um protagonista complexo e digno de investimento. David acaba sendo – quem diria – o próprio titã Prometeu.

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