Sobre Moonlight, cinema e empatia
Na cerimônia do Oscar 2017, que já se tornou memorável devido aos momentos finais, o grande vencedor da noite foi Moonlight. Ganhou a empatia.
Não que La La Land – “vitorioso” por uns 2 minutos – seja um filme ruim: é divertido, bonito e ganhou 5 estrelas na crítica que eu escrevi (Eu retiraria um pontinho? Retiraria. Mas não o farei).
Mas o fato é que Moonlight é um filme muito mais necessário que La La Land. Porque no mundo em que vivemos, não estamos precisando de sonhos e esperança. Pelo menos não como precisávamos (ou precisavam os nossos avós) no período entre guerras, quando ocorreu a era de ouro de Hollywood, ou nos anos seguintes à Segunda Guerra, quando outros muitos musicais foram produzidos.
O que precisamos hoje é de empatia. Em tempos de crise imigratória, de conflitos determinantes entre minorias e maiorias, e de líderes islamofóbicos, é importante que o cinema e as artes debatam essa temática.
E sim, Moonlight é sobre empatia.
Porque o filme do diretor Barry Jenkins fala sobre um personagem diferente da maioria de nós. E nós aprendemos, em meio a cenas delicadas, como é viver na pele do jovem Chiron.
E para gostar de Moonlight é preciso colocar-se na pele de quem nos é diferente. É necessário se colocar no lugar de alguém e compreender que o ser humano é complexo, repleto de nuances, e merece ser respeitado por aquilo que é.
Aliás, a arte é sobre empatia. Não se faz arte sem se aceitar inteiramente quem se é. Não se admira qualquer obra de arte sem entender o ser humano como fruto de seu próprio tempo, de seu próprio meio. É por isso que os artistas olham para os outros e admiram as outras vidas, vivem-nas como se fossem suas por alguns instantes. É por isso que ninguém aprecia verdadeiramente um filme, por exemplo, se trouxer consigo preconceitos e desrespeito.
Mas é uma pena que tenhamos que conviver com tanta gente que olha para o outro e falha em compreender o que ele sente.
Recentemente, um veterano jornalista da maior rede de TV do Brasil escreveu no Twitter a frase “E eu com isso?” diante da notícia de que Jane Fonda declarou ter sido estuprada quando criança.
Ora bolas. Mais do que empatia, o cinema tem o poder da representatividade. E assim como todos os meninos negros que não seguem padrões preestabelecidos se enxergam em Moonlight, o mesmo pode-se dizer das mulheres que já sofreram abuso na infância.
E justamente para que mais mulheres compreendam a importância de declarar em alto e bom som os males sofridos, é necessário que atrizes e personalidades deem o exemplo.
Ler uma notícia triste como essa sobre Jane Fonda deveria causar um sentimento de tristeza, compadecimento, solidariedade.
Mas é claro que um velho porta-voz da ditadura dificilmente compreenderia isso. Não tem essa capacidade porque não aprendeu – nem com o bom cinema, nem com a História – a sentir empatia pelas pessoas. É uma pena.
Talvez o cinema não tenha a capacidade de fazer isso sozinho. Sem o debate necessário e sem uma educação que acompanhe esse caminhar, os filmes terão pouco poder. Mas o cinema sintetiza, transforma debate racional em emoção. E seres humanos são feitos de emoção.
Nelson Mandela disse que o ser humano pode aprender a amar e a odiar. Segundo ele, o amor vem mais naturalmente que o ódio. Infelizmente, ódio e amor me parecem ser igualmente naturais. Mas todos nós temos o poder de fazer escolhas. E um certo bruxo fictício disse uma vez que são nossas escolhas que definem quem realmente somos.
E todos nós, assim como Chiron, teremos que responder à pergunta para a qual ele também busca uma resposta: “quem é você”?