Por que você não gostou de “3%”?
A série “3 %”, primeira produção brasileira da Netflix, estreou causando debates, discussões e uma certa repercussão negativa.
Desacostumados com séries brasileiras de ficção científica, ainda mais de clima “pós-apocalíptico”, os brasileiros foram críticos ao que viram com a mesma intensidade com que vibraram ao saber que a série seria desenvolvida.
Além de colocar o Brasil no radar das produções internacionais , graças ao alcance da gigante do Streaming mundial, “3 %” também evidenciou algumas coisas importantes sobre produções do tipo.
“As pessoas não falam desse jeito na vida real”
Em diversos momentos, os atores falam de uma forma diferente de como falamos na vida real. Não estou falando sobre os momentos em que o roteiro cria falas que apenas explicam demais uma determinada situação – nestes casos, 3 % realmente falha ao subestimar o espectador. Estou falando da maneira como os atores falam, da entonação de alguns, da cadência de outros.
Sabe o que é diferente nas séries americanas que você tanto assiste? A língua! Aqui, eles falam português, e não inglês. Ao vermos uma série em outra língua, mesmo que saibamos um pouco dela por conta do cursinho de inglês, não nos damos conta de como as pessoas da “vida real” não falam daquele jeito.
Convenções criadas
Quando vemos uma produção fictícia, utilizamos uma espécie de filtro que aceita determinadas convenções. Como a grande maioria do público de 3 % estava vendo uma ficção científica na TV pela primeira vez, ainda não tinha desenvolvido tais convenções. Afinal, nas novelas as pessoas não falam “como na vida real”. Note como elas repetem os nomes dos interlocutores, não falam quase nada de palavrão e repetem uma história para alguém que sabe do assunto. São convenções que já aceitamos.
Um exemplo muito comum é quando o personagem A, que cometeu um crime, ouve do personagem B a seguinte frase: “eu sei que você matou a personagem C no dia da festa de casamento”, em vez de apenas dizer “eu sei o que você fez”. Trata-se de um recurso necessário para o espectador aleatório compreender, e também para que a mocinha da história possa escutar pela fresta da porta.
É curioso notar, também, como temos mais resistência a aceitar as convenções de filmes e séries de ficção mesmo com a experiência de produções estrangeiras dubladas. Afinal, criamos a convenção de aceitar até mesmo vozes repetidas e expressões usadas só em produtos dublados.
No fim das contar, “3 %” é uma série com muitas falhas, e algumas delas residem na forma como os diálogos foram concebidos… mas jamais deve ser criticada pelo simples fato de não estarmos acostumados e ver uma produção brasileira do tipo. Sobrou até mesmo para os efeitos especiais, que foram criticados quando na verdade estão na média das produções televisivas.
Assim como a produção nacional precisa superar barreiras para conquistar a audiência cada vez mais exigente, é importante que o público saiba quebrar outras barreiras para amadurecer a compreensão do que assiste…
… até por que não tem coisa mais estranha que ver personagens da Roma antiga falando inglês britânico, e nós já naturalizamos isso há muito tempo!
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