Crítica: "Aquarius" (2016), de Kleber Mendonça Filho
"Aquarius", com Sônia Braga, de Kleber Mendonça Filho
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Crítica: Aquarius (2016) – 2

“Aquarius” vem gerando polêmicas envolvendo política que infelizmente podem apagar o brilho da grande obra de Kleber Mendonça Filho.

 

**Esta é a segunda crítica do Cinem(ação) ao filme “Aquarius”. Confira o texto de Lucas Albuquerque.

***Este texto pode conter alguns detalhes da trama.

 

aquarius-poster-cartazFicha técnica:
Direção e roteiro: Kleber Mendonça Filho
Elenco: Sônia Braga, Maeve Jinkings, Carla Ribas, Irandhir Santos, Humberto Carrão, Zoraide Coleto
Nacionalidade e lançamento: Brasil, 1º de setembro de 2016
Sinopse: A jornalista e escritora Clara, que venceu um câncer ao longo de sua vida e hoje vive sozinha em um antigo apartamento na praia de Boa Viagem, em Recife, passa a ser perseguida pela construtora que deseja comprar seu apartamento, o último ainda habitado do prédio.

“Aquarius” é daqueles filmes que, de tão ricos, exigem uma profunda reflexão acerca de tudo aquilo que mostra, ainda que possa desagradar alguma parcela do público desacostumada com o estilo do diretor. Dividirei o texto em três partes – tal qual foi feito com o filme.

 

A história e suas mensagens

A trama primordial de “Aquarius” é bastante simples. Clara (Sônia Braga) é uma mulher que já viveu muito e hoje, aposentada, vive tranquilamente em um antigo prédio na praia de Boa Viagem, em Recife, do qual não quer sair de forma alguma, a despeito da insistência da construtora que, tendo adquirido todos os outros apartamentos, deseja demolir o atual prédio para construir um outro no local.

Assim, o longa poderia explorar apenas a temática do crescimento urbano e da especulação imobiliária, já comum na filmografia de Kleber Mendonça Filho – como no curta “Recife Frio” e no premiado “O Som ao Redor”. Mas na verdade ele traz muito mais que isso.

Em torno da temática principal, e ao longo dos 140 minutos de duração, o diretor aborda outros temas que circundam também a sociedade recifense – e brasileira. A exploração que a classe média faz das empregadas doméstica, repleta de impessoalidade e herdada do período do colonialismo, além de ser retratada no curta “Recife Frio” e no longa “O Som ao Redor”, cria um interessante diálogo com o premiado “Que Horas Ela Volta?“, que esteve no mesmo lugar de destaque de “Aquarius”.

Também vale ressaltar o debate sobre o velho e o novo na sociedade. Aquilo que chamamos de “vintage” quando gostamos, como lembra a própria Clara em determinada cena. Mas o fato é que tanto a protagonista quanto o edifício título são taxados de “velhos” quando na verdade vivem com plenitude, possibilidades de se reinventar, e uma história que lhes garante serem ainda mais interessantes. O debate ocorre ao longo de todo o filme, com vinis e músicas em MP3, flertes entre pessoas mais velhas em um baile e entre jovens por meio do Facebook, e álbuns de família com fotos diante do carro, numa época em que ter um carro era algo mais importante.

 

Aquarius

Técnicas e atuações

De tudo o que é possível analisar em “Aquarius”, podemos citar pequenas falhas – que na verdade são pontos que poderiam ser melhorados. Ambas se aplicam ao roteiro. Enquanto que a abordagem do roubo cometido por uma antiga empregada de Clara seja fraca e soe quase artificial dentro do que o filme apresenta, o desenvolvimento do “vilão” Diego (Humberto Carrão) poderia ser melhor do que apenas baseado nos dizeres do personagem – ainda que o ator supere este pequeno empecilho e esteja excelente ao longo do filme.

Aliás, praticamente todas as atuações são excelentes: Irandhir Santos cumpre seu papel, Maeve Jinkings garante momentos de emoção necessários – em uma das cenas mais tocantes do filme – e Bárbara Colen traz uma importante colaboração como Clara ainda jovem. Vale destacar também o ator Daniel Porpino, que consegue dar vida a dois personagens em momentos diferentes, sendo pai e filho, protagonizando em ambos os momentos cenas repletas de carga dramática.

Enquanto quase todas as atuações podem ser classificadas como ótimas, o mesmo não se pode dizer de Sônia Braga. Ótimo, excelente e espetacular não são palavras capazes de descrever o que a atriz faz com sua personagem Clara. É simplesmente uma das atuações mais sensíveis, intensas e carinhosas já vistas no cinema brasileiro. Sônia passeia pelo riso, choro, sutileza, doçura materna e uma intensidade sexual e vivaz com uma naturalidade pouco vista.

Ainda cabe citar a direção de arte do filme, capaz de transformar um apartamento em um espaço que é quase um personagem, bem como mostrar cenas dos anos 1980 extremamente realistas. É nas primeiras cenas do filme que podemos notar o incrível trabalho de fotografia do filme, com uma iluminação que remete ao saudosismo do diretor, bem como o interessante uso de “zoom in” e “zoom out” que Kleber Mendonça Filho faz ao longo da projeção, em movimentos que já se tornaram sua marca registrada.

 

Trilha sonora e tensão

Por fim, é importante citar o incrível uso de músicas diegéticas na trilha sonora. Com uma protagonista que é escritora sobre temas relacionados à música, isso não poderia ser mais coerente. As músicas, que frequentemente começam diegeticamente dentro da cena e depois se tornam parte da trilha, vão de Gilberto Gil, Roberto Carlos e Maria Bethânia a Queen.

A música também é usada por Kleber Mendonça Filho para criar os momentos de tensão. E aqui vale citar a sutileza com que o diretor cria momentos que flertam até mesmo com o terror. Suspeitas de porta aberta e sonhos que remetem a presenças de outras pessoas são os mais óbvios, mas o diretor está sempre mostrando momentos de desconfiança e câmeras “à espreita” que criam o clima de tensão necessário para criar a expectativa da trama sobre o destino de Clara e seu apartamento. Também vale citar o momento em que Clara e Diego fazem manobras com seus carros na garagem, e o simples jogo de câmeras nos faz acreditar que os carros vão se bater: trata-se de um momento criado apenas para engrandecer o embate entre os personagens.

Por este e muitos outros motivos, “Aquarius” é um filme extremamente rico.

Aquarius

  • Nota
4.5

Resumo

“Aquarius” é daqueles filmes que, de tão ricos, exigem uma profunda reflexão acerca de tudo aquilo que mostra, ainda que possa desagradar alguma parcela do público desacostumada com o estilo do diretor.

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