Crítica: O Novíssimo Testamento (2015)
O Novíssimo Testamento tem uma premissa inusitada e bem trabalhada, poderia ter ido para o Oscar de Melhor filme estrangeiro.
Ficha técnica:
Direção: Jaco Van Dormael
Roteiro: Thomas Gunzig, Jaco Van Dormael
Elenco: Benoît Poelvoorde, Pili Groyne, Yolande Moreau, Catherine Deneuve, François Damiens
Nacionalidade e lançamento: Bélgica, 2015 (21 de janeiro de 2016 no Brasil)
Sinopse: Deus está vivo e mora na Bélgica. Ele tem mulher e filhos. A filha se revolta com o jeito sádico que o pai trata as pessoas e resolve fugir de casa. Mas antes hackeia o computador dele e manda um sms para todos avisando a data da respectiva morte de cada um – tornando a figura divina do pai algo dispensável. A garota, então, reúne seguidores para escrever um Novíssimo Testamento.
Originalidade é a palavra para definir esta comédia belga. O Novíssimo Testamento desconstrói uma premissa básica para os religiosos: deus não é uma entidade que vive no plano espiritual, mas ele está vivo, mora em Bruxelas e possui família. Além disso, tem como diversão criar regras absurdas e atrapalhar a vida dos humanos.
Deus aqui é visto como um bêbado, que trata mal a mulher e a filha – elas nunca podem sair de casa, por exemplo – e, principalmente, odeia a humanidade. Ele parece sentir prazer em leis para irritar a criação dele, coisas como: “sempre que entramos na banheira o telefone irá tocar” ou “um pão cairá sempre com a parte da geleia virada para baixo”.
A primeira virada na história se dá quando Ea, filha de deus, se revolta com o pai e resolve tomar uma atitude: fugir de casa e se juntar com mais 6 apóstolos para escrever um Novíssimo Testamento. Isso tem consequências graves já que deus acaba não tendo mais função e perdendo a credibilidade.
Ea aliás é a narradora aqui e o artifício, ao contrário de muitos outros longas, é muito bem utilizado de forma a ajudar na narrativa e no humor. Apesar da referência ao nome Eva, esta é outra personagem e que aparece em um momento determinado da trama. Caso você não conheça Ea não se sinta mal, o irmão dela o tal de “Jesus Cristo tem muito mais fama e as pessoas só falam dele” (frase dita no filme).
Os encontros de Ea com os apóstolos e com a pessoa que vai escrever o Novíssimo Testamento são interessantíssimos. Apesar de beirar o piegas, com algumas lições de moral, e de ficar um pouco repetitivo, as situações são muito divertidas – e essa é ou não uma das funções primárias de um filme de comédia?
Paralelo à história da filha, deus não se conforma que a menina escapou, deixando o computador dele inutilizado, e vai atrás dela. Isso provoca momentos igualmente hilários, já que, aos olhos dos outros, aquele senhor não passa de um maluco que se diz deus. Há, também, uma rápida imagem metafórica sobre o nascimento de deus – algo também não convencional.
O arco final tem um ritmo diferente (há uma excelente sacada com os dias da semana e meses do ano) e retoma a qualidade do início do filme. O miolo não chega a ser ruim, mas peca (como eu queria usar essa palavra aqui) pela repetição. No todo, o Diretor Jaco Van Dormael, que também assina o roteiro, faz um excelente trabalho ao criar esse curioso mundo.
Algumas atuações estão um pouco caricaturais, contudo condizentes com a proposta. Quem se incomodar com tal artifício pode não ter uma imersão tão plena. A menina Pili Groyne está muito bem, apesar de alguns deslizes. Já Benoît Poelvoorde, que faz Deus, está impagável, acompanhando o que o personagem pede, representar uma figura detestável no começo e explorando bem um humor físico no meio e final do filme. Há um personagem animal na trama, um Gorila, que poderia ser mais expressivo e deixa de fazer algumas piadas que caberiam ali – quem viu Chewbacca em Star Wars cria um padrão um pouco mais alto sobre animais com característica humanas.
Apesar de uma certa crítica à figura divina, os religiosos podem ficar tranquilos que o filme tem uma toada pró-religião/fé. Ea meio que é uma representatividade de Jesus e isso é trazido de uma forma muito bonita. Mas mesmo com a ressalva o filme pode desagradar alguns fervorosos.
O longa belga ficou no top 9 das indicações para melhor filme estrangeiro no Oscar deste ano, portanto, muito próximo de ir para lista final. Além de ser indicado ao Globo de Ouro.
Resumo
O Novíssimo Testamento tem uma premissa genial: deus está vivo e odeia a própria família e a humanidade. A filha dele se revolta e resolve escrever um novíssimo testamento, em contraposição ao pai ditador